Para onde vai Luís Montenegro?

Começa verdadeiramente agora o novo ciclo político de Luís Montenegro com a nova configuração parlamentar e o Orçamento de Estado (OE) a ser apresentado a 10 de Outubro mas que, na prática, já começou a ser negociado nesta forma atípica, que ganhou tração nos dois últimos anos, de se discutirem projetos ou propostas de lei de índole claramente orçamental fora do período orçamental.
Para se perceber o que pode vir a ser este mandato de Montenegro, convém dar um passo atrás e perceber o trajeto do seu mentor, Aníbal Cavaco Silva. A sua perenidade como primeiro-ministro deve-se bastante ao que aprendeu com o seu Professor de York, Alan Peacock sobre teoria da escolha pública (public choice). Esta teoria aplica a teoria económica à decisão política e modeliza os políticos como maximizadores de votos, e não necessariamente maximizadores do bem-estar social. Entre as previsões interessantes da public choice está a de que os governantes implementam ciclos político-económicos, isto é tomam medidas populares e políticas orçamentais expansionistas antes das eleições (descer impostos e ou aumentar a despesa pública), para depois das eleições, e caso as ganhem, adotarem medidas restritivas, ou seja o inverso. Se ambas as políticas — expansionista e contracionista — forem implementadas, o dano para as finanças públicas não será significativo, apesar de alguma assimetria que favorece o aumento do défice.
Em grande medida o primeiro ano da governação de Luís Montenegro foi claramente a pensar nas eleições. Sabendo que a sua escassa maioria para o PS, apenas dois deputados, o tornava vulnerável politicamente fez tudo o que o “manual” da public choice sugere que se faça antes de eleições. Reduziu impostos e aumentou, de forma faseada, os vencimentos da maioria dos trabalhadores em funções públicas, aumentos esses cujo impacto total só será sentido em 2026 e 2027. Também aumentou as pensões. Essa tática político-económica, teve os seus resultados eleitorais. Montenegro conseguiu reforçar a sua maioria parlamentar e tem agora maiores condições políticas para governar, após o desaire eleitoral do PS, que lhe dará um estado de graça mais prolongado. Também dado que José Luís Carneiro é mais sensato que o seu antecessor e percebeu que não deve contribuir para derrubar ou obstaculizar a governação. É provável que Montenegro, apesar do governo minoritário, consiga manter-se dois ou três anos na governação e poderá mesmo chegar ao final da legislatura, se o seu governo não cometer demasiados erros e não for chamuscado por nenhum escândalo. Neste contexto, de relativa estabilidade, abrem-se essencialmente duas vias para este governo.
A primeira é uma via de responsabilidade política, em particular neste início de legislatura, de conter ou mesmo contrariar as medidas expansionistas pré-eleitorais e gerir o ciclo político numa perspetiva de longo prazo. Responsabilidade significa também compreender que as democracias para além de tenderem a produzir défices, desvalorizam, ou subestimam, os interesses das gerações futuras que não votam, em detrimento das presentes. Quando se propõem aumentos de pensões aos pensionistas atuais, há previsões que devem estar presentes em todos os decisores políticos, caso sejam responsáveis. Hoje um novo pensionista recebe uma pensão que em média representa mais de dois terços do seu último salário, mas em 2070, um novo pensionista receberá pouco mais de um terço. Aumentos extraordinários de pensões são assim uma redistribuição forçada das gerações futuras para as presentes. As questões de justiça intergeracional colocam-se não apenas na dimensão financeira, mas também ambiental, habitacional, no mercado de trabalho e noutras dimensões. Considerá-las é essencial para políticas que promovem o interesse público.
Uma segunda via é gerir o ciclo político com uma visão de curto prazo, imediatista, com alianças à esquerda e à direita, para ir passando legislação importante, maxime o Orçamento de Estado.
Aprovar medidas que vão satisfazendo certos sectores da sociedade, nomeadamente descidas estruturais nos impostos ou aumentos estruturais da despesa, sem uma visão geral de conjunto e do seu impacto de médio prazo, é pouco responsável. Descer impostos é um objetivo nobre com uma concomitante diminuição da despesa pública associados a ganhos de eficiência do Estado. Reduzir o IRS, como agora acordado entre governo e Chega, não terá um efeito relevante no crescimento económico e significa promover o défice, a dívida, mais uma vez aliviando as gerações presentes e colocando o ónus nas gerações futuras.
Sempre defendi e defendo que as legislaturas devem, em geral, ser levadas até ao fim. Uma das razões é que algumas consequências das medidas tomadas só se percebem após alguns anos. Os indicadores atuais só podem ser motivo de preocupação, pois dá a ideia que o governo está a adotar esta segunda via tentando fazer a quadratura do círculo. Aquilo que agora sabemos é que as previsões de crescimento são menores do que há alguns meses, que o governo pretende aumentar o orçamento da defesa, que os aumentos salariais estruturais vão progressivamente entrando nas contas públicas, que o IRS e o IRC vão descer e que muito provavelmente teremos défice orçamenta em 2026 com crescimento modesto da economia. O que me parece certo é que ainda antes do fim da legislatura, em fins de 2018, já saberemos o resultado da política económica e orçamental deste governo em função da via que decidir tomar.
observador