Retrato do subsidiodependente da Europa

Em Junho de 2021 Ursula von der Leyen veio a Lisboa oficializar a aprovação do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). Da altura, ficou célebre uma pergunta que António Costa lhe fez, em jeito de piada: “Já posso ir ao banco?”.
O objectivo era ter graça. E teve. Mas era humor negro, porque sabemos que a frase é uma boa ilustração de uma certa forma de estar na governação e de gerir as fontes de receita do Estado.
Sabemos que o investimento público foi o elo mais fraco dos últimos dez anos, sacrificado à vontade — correcta — de apresentar contas equilibradas. Ano após ano, as verbas destinadas ao investimento eram congeladas à medida que a execução orçamental avançava. De tal forma que os governo de Costa investiram menos do que o último ano de Pedro Passos Coelho, ainda na ressaca da troika.
Também sabemos que, ao mínimo sobressalto, era pedida “solidariedade europeia”. Este é o eufemismo para pedir fundos a Bruxelas. Com a pandemia veio o PRR, que arrancou atrasado e com muita dificuldade em executar. Mas, mesmo perante as dificuldades iniciais e mostrando que temos mais olhos do que barriga, era o próprio António Costa que em Outubro de 2023 sugeria “um PRR permanente”.
Pois claro. Há lá melhor coisa para um governante do que andar pelo país a anunciar obras e a distribuir cheques que, no final, são pagos em larga maioria pelos contribuintes de outros países?
Sabemos tudo isto, mas, ainda assim, não deixam de surpreender os dados conhecidos esta semana.
O Tribunal de Contas Europeu fez a avaliação do pacote de fundos de coesão entre 2014 e 2020 – em Portugal recebeu o nome de Portugal 2020 – e concluiu que:
- Nesse período, Portugal foi o país europeu onde o investimento público mais dependeu dos fundos europeus;
- Essa dependência foi de 90%;
- A média europeia é de 14%;
- Espanha, que aderiu à então CEE no mesmo dia que Portugal e com quem gostamos de nos comprar, teve nos fundos europeus 25% do seu investimento público;
- Os segundo e terceiro lugares deste ranking de dependência são ocupados pela Croácia e pela Lituânia, mas a larga distância. A Croácia, com 69%, aderiu à UE em 2013. E a Lituânia, com 60%, aderiu quase 20 anos depois de nós, em 2004.
A despesa do Estado não parou de aumentar nesse período, requerendo receitas fiscais cada vez maiores para a pagar. A prioridade foi a de atribuir o essencial da despesa do Estado aos gastos correntes, sacrificando o investimento. E este, sabemos agora, foi suportado quase exclusivamente por fundos comunitários.
Isto até poderia não ser grave se a qualidade dos serviços públicos tivesse reflectido de forma notória a prioridade dada à despesa corrente. Mas sabemos que não foi isso que aconteceu, antes pelo contrário.
Outra atenuante podia ser o retorno desse investimento pago com fundos europeus. É suposto que, a prazo, o investimento se reflita em melhores condições económicas e sociais, mais competitividade, melhores salários. Também sabemos que não é esse o nosso caso. Desde o início do século que o país estagnou no PIB per capita. Umas décimas para cima, outras para baixo, mas não saímos da cepa torta.
Aliás, o espírito dos fundos de coesão é precisamente esse: ajudar países ou regiões que partem mais atrás com o objectivo de, a prazo, deixarem de precisar de ajudas.
Sabemos também que não estamos a ser bem sucedidos nesta matéria quando países que aderiram muito depois de nós e numa posição muito mais recuada se mostram já menos dependentes das ajudas de Bruxelas do que nós.
Para maximizar o encaixe de ajudas até nos tornamos peritos no redesenho das regiões estatísticas. A antiga região de Lisboa e Vale do Tejo ultrapassou os limites de PIB per capita que dão acesso a fundos? Não há problema. Partimos esta região em três para isolar zonas mais pobres que assim mantêm o acesso a fundos.
Incapazes de fazer a coesão internamente, esperamos sempre que sejam os fundos de países terceiros a fazê-lo.
E assim vamos andando. Se isto não é o retrato de um país que se tornou subsídio-dependente, então é o quê?
observador