Tadej fez o que quis e mostrou que os aliens são humanos

2024 foi o ano de Tadej Pogacar. 2025 é o ano de Tadej Pogacar. Depois de ter mudado a primeira fase da temporada, com a presença nas clássicas de Primavera e em apenas uma prova por etapas — o UAE Tour, por imposição de um dos patrocinadores da sua equipa —, o esloveno de 26 anos não se ressentiu do eventual cansaço e voltou a pulverizar toda a concorrência na Volta a França, chegando a Paris, este domingo, como virtual vencedor, com mais de quatro minutos de vantagem para Jonas Vingegaard (Visma-Lease a Bike). O ciclista da UAE Team Emirates-XRG ganhou quatro etapas entre a Normandia, a Bretanha e os Pirenéus, e aproveitou os Alpes para mostrar uma versão pouco vista: a de um Pogacar controlador e mais racional. Para a história fica a quinta Grande Volta de quem aspira a ser o melhor.
O rumo da 112.ª edição da Volta a França começou a ser traçado logo na primeira etapa, em Lille. No final dos primeiros 184,9 quilómetros, o vento decidiu intrometer-se no circuito local e causou, desde logo, as primeiras diferenças entre os candidatos à geral, com Pogacar e Vingegaard a chegarem com os sprinters e a ganharem 39 segundos a todos os outros. No dia seguinte apareceram as subidas em Boulogne-sur-Mer, com João Almeida a assumir pela primeira vez o trabalho de gregário de Pogacar, neutralizando todos os ataques no pelotão. Na reta da meta, o campeão do mundo lançou-se de cara ao vento e só perdeu para Mathieu van der Poel (Alpecin-Deceuninck), ganhando os primeiros dois segundos a Vingegaard, e mais seis aos restantes. Depois de uma etapa para os sprinters, a entrada na Normandia prometia ser de mais um duelo entre o esloveno e o neerlandês. Confirmou-se, embora os papéis se tenham invertido, com Tadej Pogacar, lançado por Almeida, a vencer em Rouen e a chegar às 100 vitórias na carreira.
Ao quinto dia de competição surgiu o primeiro contrarrelógio, com uma ligação plana, de 33 quilómetros, em Caen. Como seria de esperar, Remco Evenepoel (Soudal Quick-Step) pulverizou a concorrência, mas a principal novidade foi uma exibição de exceção de Pogacar, que perdeu apenas 16 segundos para o campeão do mundo, ganhando 1.05 minutos a Vingegaard. Com esse resultado, o Emirates subiu à liderança da geral, dos pontos e da montanha, perdendo-as no dia seguinte, com Van der Poel a regressar à amarela por apenas um segundo, depois de o esloveno ter atacado no final, sem sucesso. A sétima etapa podia ter mudado o rumo do Tour, mas não o fez. Na primeira chegada em alto, no Mûr-de-Bretagne, o português caiu a seis quilómetros da meta e acabou por abandonar a provar nas etapas seguintes, desfalcando o bloco da Emirates. Quis o destino que, no alto, Pogacar voltasse a vencer e dedicasse o triunfo a Almeida, recuperando outra vez a camisola amarela.
Depois de um fim de semana dominado pelos sprinters, a primeira semana só terminou ao décimo dia, no Dia da Bastilha. Numa etapa com oito contagens de montanha, a Emirates optou por uma estratégia arriscada e decidiu entregar a camisola amarela à fuga, aliviando o seu trabalho na chegada à alta montanha. O rival Simon Yates (Visma) até acabou por vencer, Ben Healy (EF Education-EasyPost) chegou à amarela e Pogacar resistiu a todos os ataques, ganhando tempo a todos menos a Vingegaard. Cumprido o primeiro dia de descanso, a etapa 11 prometia ser calma, mas também ficou para a história deste Tour, com Tadej cair perto da chegada e a embater num passeio, que até o protegeu. O incidente acabou por não deixar mazelas de maior e revelou uma das novas imagens de marcas do Emirates: a utilização de um manguito branco, com as cores de campeão do mundo, no braço esquerdo, de modo a proteger e a tapar as mazelas.
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????️ À 26 ans et 305 jours, Pogacar est le 2ème plus jeune coureur à décrocher le Maillot Jaune à 50 reprises sur @LeTour ????Il n’est devancé que par Eddy Merckx qui avait 26 ans et 20 jours pour son 50ème, en 1971. #TDF2025 #MaillotJauneLCL pic.twitter.com/0KbyEARKAT
— Maillot Jaune LCL (@MaillotjauneLCL) July 23, 2025
O impacto foi de tal forma diminuto que, no dia seguinte, Tadej Pogacar chegou ao hat-trick no Hautacam, com uma subida magistral em que atacou e deixou Jonas Vingegaard para trás no início da subida e ganhou-lhe 2.10 minutos. A diferença entre os dois primeiros superou os quatro minutos na etapa seguinte, com a cronoescalada de Peyragudes a trazer à tona o domínio do esloveno, que ganhou a quarta etapa e mais 36 segundos a Vingegaard. Em Luchon-Superbagnères, a fuga voltou a triunfar, através de Thymen Arensman (Ineos Grenadiers), numa etapa em que os favoritos podiam ter chegado à vitória, mas Pogacar aproveitou para controlar, perante a inação de Vingegaard e ganhou-lhe mais seis segundos. No fecho da segunda semana, Tim Wellens deu mais um triunfo à Emirates, que chegou à reta final do Tour com uma confortável vantagem de 4.13 minutos.
A última semana arrancou com a chegada ao Mont Ventoux, numa etapa em que a Visma tentou de tudo para deixar Pogacar para trás, mas voltou a perder no fim, com o esloveno a ganhar dois segundos a Vingegaard. Depois de novo triunfo para os sprinters, a etapa rainha do Tour voltou a ser atacada pela Visma, que conseguiu isolar Pogacar a mais de 70 quilómetros do Col de la Laze. Contudo, a formação neerlandesa não soube gerir a corrida e permitiu a reentrada dos Emirates, que impuseram o controlo e, apesar de não terem chegado a Ben O’Connor (Jayco AlUla), viram o esloveno a ganhar mais 11 segundos ao dinamarquês. Na sexta-feira, na encurtada etapa de La Plagne, a luta pelo terceiro acabou por se sobrepor à luta pela vitória, com Vingegaard a não atacar Pogacar na subida de categoria especial. Perante o sucedido, o campeão do mundo “deixou” Arensman isolar-se e vencer e, pela primeira e única vez, chegou atrás do dinamarquês, perdendo dois segundos nas bonificações.
Já este sábado, a chuva voltou a aparecer numa penúltima etapa marcada por mais quedas, e que permitiu a Tadej Pogacar cimentar a vitória virtual na geral e na classificação da montanha. A fuga demorou a formar-se, mas voltou a vingar, com Kaden Groves (Alpecin-Deceuninck) a atacar a 16 quilómetros de Pontarlier e a vencer pela primeira vez na estreia em França, completando a trilogia de vitórias nas Grandes Voltas. Jordan Jegat (TotalEnergies) também se intrometeu na fuga e foi um dos grandes vencedores do dia, ultrapassando Ben O’Connor na luta pelo décimo lugar. Jonathan Milan (Lidl-Trek) é o virtual vencedor da classificação dos pontos e Florian Lipowitz (Red Bull-Bora-hasgrohe) o melhor jovem.
No es Philipsen. No es Van der Poel.
Es Kaden Groves y acaba de entrar en solitario en el Olimpo de ganadores en las tres Grandes Vueltas ????????????
???????? Iván Romeo se fue al suelo cuando peleaba por la victoria.
????♂️ Lo has visto en @Eurosport_ES y @StreamMaxES. #TDF2025 pic.twitter.com/HjjNUTnFUg
— Eurosport.es (@Eurosport_ES) July 26, 2025
De um modo geral, este foi um Tour dominado por Pogacar, que se mostrou acima da concorrência e voltou a provar que é o melhor voltista da atualidade. Para lá das quatro vitórias em etapas, da amarela e da camisola das bolinhas, o esloveno ainda ameaçou intrometer-se na discussão da camisola verde e mostrou um lado mais racional, chegando ao primeiro lugar em três ocasiões distintas, mediante aquilo que a corrida exigia. Esse fator evidenciou-se, naturalmente, depois da desistência de Almeida, que obrigou a Emirates a reinventar-se. No capítulo coletivo, a Visma levou claramente a melhor no sentido estratégico, mas nunca conseguiu anular o motor Pogacar. No final, só oito ciclistas vão chegar a Paris a menos de 30 minutos do esloveno, número que perfaz um recorde no século XXI, superando os nove da edição passada e de 2022.
Contudo, esta Volta a França trouxe à tona outra versão de Tadej Pogacar, que nunca se tinha visto até então. Nos últimos dias da competição, o esloveno mostrou-se aborrecido com tudo o que estava a acontecer e só pensava em chegar a Paris e nas suas férias. As boa disposição nas entrevistas e o sorriso no pódio desapareceu, notando-se que, na sexta-feira, Pogacar esteve menos de 20 segundos no pódio, já depois de ser ter envolvido num momento mais quente com um segurança da organização, na meta. Um fator que pode explicar essa mudança de postura prende-se com o surto de doença que assolou a Emirates antes da última semana. “Estou com um pouco de dor de garganta e o nariz entupido”, chegou a partilhar o esloveno em entrevistas. Noutro ponto, as médias elevadas na primeira semana, as constantes trocas de palavras com a Visma, que culminaram até num “atropelamento” de um carro da equipa amarela antes da 18.ª etapa, e a pressão imposta pela imprensa e os espectadores levaram Pogacar a um inédito cansaço físico e mental. Afinal, estamos perante um jovem de 26 anos que já ganhou quase tudo o que há para ganhar.
observador