SÉRIE - Pó radiante e ar eletrificado: como Marie Curie descobriu a radioatividade

Marie Curie não foi autorizada a apresentar seu primeiro ensaio sobre radioatividade. Era necessário um homem para isso. Mulheres não foram autorizadas a comparecer à reunião da Academia Francesa de Ciências onde a pesquisadora planejava apresentar suas descobertas. Seu ex-professor se encarregou de ler o breve ensaio para o grupo de homens em abril de 1898. Nele, Curie descreveu um método inovador que ela usava para detectar substâncias radioativas.
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Seu método levou ao sucesso. Foi o primeiro de uma série de artigos — cada um lido por homens — que inaugurou o mundo em uma nova era: a era atômica, caracterizada pelo uso pacífico e militar da radioatividade e da energia nuclear.
Mas seu método também exigia muita perseverança e habilidade. Somente usando vários instrumentos simultaneamente Marie Curie conseguiu o que ninguém jamais havia feito: medir a radioatividade.
Foi assim que funcionou o experimento sofisticadoQuando Marie Curie conduziu esses experimentos, ela morava em Paris. Ainda sob o nome de Maria Skłodowska, ela havia deixado sua Polônia natal em 1891 para escapar da opressão. Em Varsóvia, controlada pela Rússia, a liberdade de expressão não era permitida, mas em Paris, as mulheres já tinham permissão para estudar.
Então, Maria mudou-se para a capital francesa, onde sua irmã já morava. Seu pai, um professor de matemática e física que valorizava a educação das filhas, a sustentava financeiramente. O dinheiro só dava para comprar um quarto sem aquecimento no sótão. À noite, ela precisava se cobrir com todas as suas roupas para se manter aquecida. Mas Marie, como ela agora se chamava, estava feliz.
Como estudante de física na Universidade Sorbonne, ela tinha liberdade para escolher seus cursos. Seus alunos eram alguns dos principais cientistas do mundo. Marie se dedicou aos estudos. "Aprender e compreender novos conceitos me realiza. Esta vida, dolorosa para alguns, é pura alegria para mim. Ela me dá uma profunda sensação de liberdade e independência", escreveu ela em seu diário. Marie se formou em física como a primeira da turma.
Um encontro decisivoApós a formatura, um professor lhe arranjou seu primeiro emprego. Ela analisaria as propriedades magnéticas de vários tipos de aço para uma empresa industrial francesa. Um conhecido a apresentou a um jovem físico com profundo conhecimento em magnetismo: Pierre Curie.
Pierre havia desenvolvido um equipamento de medição útil para examinar as amostras de aço. Ele aconselhou Marie sobre seu uso e ficou rapidamente impressionado com a jovem pesquisadora. Marie também apreciava as conversas profundas que mantinham repetidamente. Ela abandonou seus planos de retornar à Polônia e se casou com Pierre no verão de 1895.
Em uma noite de novembro do mesmo ano, o físico alemão Wilhelm Conrad Röntgen estava fazendo experiências com cargas elétricas em um tubo de vidro em seu laboratório.
Ele descobriu raios emanando do tubo que penetrou seu corpo, mas não seus ossos. Pediu à esposa, Bertha, que colocasse a mão sobre uma placa fotográfica. Direcionou os raios sobre ela por 20 minutos, criando assim a primeira imagem de raio X. "Eu vi minha morte", teria dito Bertha em resposta à imagem de seus ossos.
A empolgação era grande: os cientistas saudaram a descoberta como uma oportunidade para a medicina, e o público ficou fascinado pelas novas descobertas sobre o corpo. No entanto, ninguém sabia exatamente como os raios que mais tarde levaram o nome de Röntgen foram criados.
O físico parisiense Antoine Henri Becquerel considerou uma possível conexão com a fosforescência. Substâncias fosforescentes brilham no escuro após serem irradiadas com luz. Becquerel se perguntou se raios X também emanam do sal de urânio fosforescente.
Ele colocou uma cruz de cobre sobre uma chapa fotográfica, polvilhou-a com sal de urânio e pretendia expor tudo à luz solar. No entanto, como o céu estava nublado naquele dia, Becquerel embrulhou a chapa preparada em um pano preto e a guardou em uma gaveta. Alguns dias depois, por curiosidade, ele revelou a chapa mesmo assim. Contrariando suas expectativas, o contorno da cruz era claramente visível.
Becquerel havia descoberto um novo tipo de radiação que se originava do sal de urânio e iluminava a placa, mas era protegida pela cruz. Ele os chamou de raios de Becquerel. Ao contrário dos raios X, eles não precisavam ser gerados artificialmente, mas emanavam espontaneamente do urânio. No entanto, como pareciam não ter uso direto, Becquerel logo abandonou sua pesquisa sobre eles.
O depósito servia como laboratórioEm vez disso, Marie Curie, em busca de um tema para sua tese de doutorado, interessou-se pelos raios emitidos pelo urânio. Até então, ninguém havia conseguido quantificar sua intensidade. Mas seu marido, Pierre, havia desenvolvido um equipamento que tornaria isso possível.
Num depósito da escola onde Pierre trabalhava, os Curie montavam os vários dispositivos. Marie trabalhava da manhã à noite.
Em seguida, ela examinou a pechblenda. Naquela época, o urânio era extraído do mineral para a produção de esmaltes cerâmicos coloridos. Marie descobriu que, após a remoção do urânio, a pechblenda irradiava com mais intensidade do que o próprio urânio. Portanto, os raios descritos por Becquerel não eram exclusivos do urânio; devia haver outras fontes. "Imagine, a radiação que eu não conseguia explicar vem de um novo elemento. Está lá, tenho quase certeza, só preciso encontrá-lo", escreveu Marie, eufórica, para a irmã.
Enquanto isso, Pierre havia deixado seus próprios projetos de lado para apoiar Marie. Juntos, eles buscaram a fonte da radiação. Usando métodos químicos, separaram a pechblenda livre de urânio em seus outros componentes e os mediram com o aparelho de Pierre. Rapidamente perceberam que várias das substâncias que estavam estudando emitiam radiação — quanto mais pura, mais forte. Os Curie haviam descoberto dois novos elementos.
Eles relataram sua descoberta em vários ensaios. Marie chamou a radiação emitida espontaneamente pelas substâncias analisadas de "radioatividade", e os dois novos elementos de "rádio" e, em homenagem à sua terra natal, de "polônio". Os Curie passaram os anos seguintes isolando-os em sua forma pura. Eles tiveram que processar toneladas de pechblenda porque os elementos estavam presentes apenas em quantidades vestigiais. Logo, as amostras ficaram tão radioativas que brilhavam no escuro. Eles desconheciam o perigo que isso representava.
No início de 1903, vários membros da Academia Francesa de Ciências enviaram uma carta ao Comitê Nobel na Suécia. "Recomendamos que o Prêmio Nobel seja dividido entre os dois senhores – Henri Becquerel e Pierre Curie", dizia a carta. Marie não deveria ser indicada ao prêmio. Somente por insistência de Pierre ela foi indicada posteriormente. Assim, em dezembro de 1903, Marie tornou-se a primeira mulher a receber um Prêmio Nobel – compartilhado com seu marido Pierre e com Henri Becquerel pela descoberta da radioatividade.
Pasta de dente com rádioOito anos depois, Marie recebeu outro Prêmio Nobel, desta vez sozinha. Pierre havia morrido tragicamente: foi atropelado por uma carruagem no trânsito parisiense em uma noite chuvosa.
O segundo Prêmio Nobel foi concedido à descoberta do rádio. O elemento teve uma ascensão meteórica. Como uma panaceia, era adicionado a chás, pastas de dente e sais de banho. O "tônico capilar Curie" era usado para combater a queda de cabelo, e o rádio, usado em uma bolsa ao redor dos testículos, era considerado capaz de restaurar a potência prejudicada. Logo, também passou a ser usado nos primeiros tratamentos contra o câncer.
E alguns cientistas já pressentiam o potencial oculto em elementos radioativos como o rádio. "O homem que acionar a alavanca pela qual uma natureza mesquinha regula tão cuidadosamente a produção desse estoque de energia poderá destruir a Terra", escreveu o químico Frederick Soddy.
Mas só gradualmente se consolidou a percepção de que o próprio rádio também podia causar doenças. Tarde demais para Marie: ela morreu em 1934 de anemia causada pela exposição a substâncias radioativas.
Isso significou que ela escapou por pouco da conquista do Prêmio Nobel de Física para sua filha Irène, que também se tornara pesquisadora. Ambas deixaram sua marca em um mundo masculino. Só uma coisa nenhuma delas conseguiu: acesso à prestigiosa Academia Francesa de Ciências, perante a qual Marie não tinha permissão para discursar na época. A Academia admitiu a primeira mulher como membro titular em 1979.
Um artigo do « NZZ am Sonntag »
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