Selecione o idioma

Portuguese

Down Icon

Selecione o país

Spain

Down Icon

A forma de narrar a América Latina mudou?

A forma de narrar a América Latina mudou?

A forma como narramos a América Latina mudou nas últimas décadas? "Eu diria que sim, mas essa é uma questão muito ampla que merece uma análise cuidadosa", diz a escritora chilena Nona Fernández, uma das convidadas da quarta edição do Festival de Literatura Latino-Americana KM Amèrica, que acontece até sexta-feira e atualmente oferece todo tipo de atividade em diferentes pontos da cidade.

Na falta de um sofá, ele se senta em uma cadeira, porque "a gente tende a pensar melhor sentado". Ele é acompanhado pelos colegas escritores Sergio Galarza, do Peru; seu compatriota Francisco Díaz Klaassen; e sua amiga argentina Gabriela Cabezón Cámara. Mais tarde, juntam-se a eles Tatiana Salem Levy, brasileira de origem portuguesa; Horacio Castellanos, salvadorenho; Brenda Navarro, mexicana; e Liliana Colanzi, boliviana. Todos debatem a questão em questão e, apesar de suas origens diversas, chegam à mesma conclusão: sim, a forma como narramos mudou, entre outras coisas, porque há espaço para mais vozes.

“E isso se deve, em parte, ao excelente trabalho realizado pelas editoras independentes, que nos permitiu ser mais conhecidos, não só fora da América Latina, mas também entre nós. Antes, eu lia autores latino-americanos que vinham de editoras espanholas. Agora, não preciso mais esperar por esse processo, que não fazia muito sentido, nem perco a oportunidade de conhecer novas vozes ao longo do caminho”, diz Nona Fernández, muito ativa tanto no ecossistema literário independente no Chile — ela publica por selos como Alquimia e Uqbar — quanto na Espanha, onde atualmente faz parte do catálogo da Minúscula.

Os autores observam que editoras independentes melhoraram o ecossistema editorial.

Tatiana Salem Levy (Lisboa, 1979) também elogia o trabalho das pequenas editoras, tanto no Brasil quanto no exterior, considerando-as “responsáveis ​​pela presença crescente de mulheres, autores negros e indígenas nos debates literários. Antes, quase não havia espaço para elas, e agora, seria impensável que não tivessem lugar nas mesas de discussão. Celebro as mudanças desta última década, que tornaram o setor editorial do meu país mais diverso do que nunca”.

Além da diversidade de vozes, a autora celebra o fato de que essas histórias estão gradualmente cruzando fronteiras e chegando a outros países, não necessariamente os de língua portuguesa. Cada vez mais, essas histórias retratam a violência contra as mulheres de uma forma "mais visível do que nunca". "Não é mais algo que fica em segundo plano." Em seu último livro, traduzido para o espanhol, "Vista Chinesa " (Livros del Asteroide), por exemplo, ela relatou o estupro de sua amiga.

No Peru, verifica-se que "todos conhecem Mario Vargas Llosa e, graças a ele, o país ganhou destaque. Mas quando nos concentramos em apenas um escritor, é muito difícil enxergar além e ler sobre outros problemas e questões além daqueles que ele aborda. Sem querer, ele manteve os demais na sombra por muito tempo. Nos últimos anos, porém, essa barreira invisível foi gradualmente quebrada", observa Sergio Galarza (Lima, 1976). Ele próprio contribuiu com seu grão de areia com histórias que, seja em primeiro plano ou em segundo plano, abordam as diferenças de classe. "As classes populares e trabalhadoras também merecem ter voz própria", afirma.

Isso fica evidente em romances como La librería quemada (Candaya, 2014), uma crítica furiosa ao sistema capitalista que retrata os livreiros como dependentes de grandes redes que os exploram e desumanizam; ou o recente Barrio Moscardó (Candaya), que, apesar de ter dez anos de diferença do livro citado, continua abordando temas semelhantes e usa os bairros como cenário, aqueles lugares que são pontos de trânsito e encontro e onde a comunidade se forma.

Gabriela Cabezón Cámara (San Isidro, Argentina, 1968) também se interessa por comunidades e acredita, assim como seus pares, que elas estreitam laços em bairros populares. É por isso que as torna um elemento central de seus romances, "algo a que não estávamos acostumados até pouco tempo atrás". Ela demonstrou esse interesse em seu primeiro romance, La Virgen Cabeza (Casa Aleatória), ambientado na favela de El Poso. Essa predileção surgiu após ver uma fotografia aérea de sua cidade natal, San Isidro, que mostrava uma clara separação entre luxo e pobreza. Ela queria aprender mais e, na adolescência, juntou-se a um grupo de travestis, cujo modo de falar a impressionava. "Eles tinham um uso muito criativo da linguagem." E isso influenciou sua narrativa.

"As classes baixa e trabalhadora também merecem ter voz própria", afirma Sergio Galarza.

Na Bolívia, Liliana Colanzi (Santa Cruz de la Sierra, Bolívia, 1981) também atesta que, nos últimos tempos, houve “mudanças importantes na narrativa no nível da forma”, como a popularidade da literatura de estranhamento, que permitiu abordar “questões políticas, como o avanço de projetos de extrema direita –com Maximiliano Barrientos– ou a crise ambiental –com Giovanna Rivero.

“A forma como narramos mudou muito por dois motivos: porque a realidade mudou e também porque mudaram aqueles que a escrevem. Isso significa que, além de temas novos, há outros que consideramos universais ou mais antigos, como o narcotráfico, a violência, a política ou a maternidade e a paternidade, mas que ainda os recebemos como novos porque são explicados sob uma nova perspectiva”, enfatiza Horacio Castellanos (Tegucigalpa, 1957), que aplaude essa pluralidade, bem como o fato de ela abrir portas aos jovens.

Nesse sentido, Tamara Silva (Minas, Uruguai, 2000) tem muito a dizer. Aos 24 anos, tornou-se uma das vozes mais inovadoras da literatura uruguaia atual, com obras como Larvas (Larvas, Páginas de Espuma), coletânea de contos publicada recentemente na Espanha que, como explica a autora, busca "ver tudo de outra perspectiva. O título já dá ao leitor a pista de que ele pode se deparar com insetos, cenas e situações que normalmente são muito repugnantes, mas eu procuro evocar outros tipos de sentimentos e sensações". No conto Mi piojito lindo (Meu Piolhinho Lindo ), por exemplo, ela consegue fazer com que esses insetos que costumam habitar cabeças evoquem ternura. "Eu me recuso a pensar que tudo já foi dito. Jovens, minorias e vozes periféricas têm muito a dizer", insiste.

E também autores que escrevem de fora de seus países, como Brenda Navarro (Cidade do México, 1982), que vive em Madri: "Viver em um lugar diferente te transforma. Quando você se muda, sua perspectiva, seus temas e sua maneira de contá-los se amplificam."

lavanguardia

lavanguardia

Notícias semelhantes

Todas as notícias
Animated ArrowAnimated ArrowAnimated Arrow