José Cueli: Os delírios poéticos de Quixote

Os delírios quixotescos poéticos
José Cueli
M
Assim como Cervantes, como um riacho fluindo em sua corrente, refletiu uma luz atemporal. Ele é visto, sentido, ouvido, tocado, como alguém próximo. Tudo o que ele vive, faz e diz é tão autêntico que soa verdadeiro, apesar de ser um delírio, e nos deixa com fé em nós mesmos, homens incrédulos; nas veias e artérias, o sopro, o sangue, o desejo, a vida.
Não é à toa que Dom Quixote é um viajante pelas aldeias de El Toboso, montanhas e planícies, encontros pastoris e repousos noturnos em hospedarias à beira da estrada, em busca do impossível. Sim, Dom Quixote é apaixonado pelo impossível, pelo encanto natural. Pelo fenômeno emocionante da vida que lhe comunicava sua sutil corrente carregada de eflúvios.
Mergulhar na literatura de Cervantes provoca em mim uma emoção semelhante à que experimento quando entro no consultório
de Freud: aquela sensação de encantamento, de beleza; a confusão do particular com o essencial, do aparente com o real. Uma sensação que cria uma ilusão, um delírio que se confunde com a vida. A alegria de viver, não de vencer, como descrita em "As Bodas de Camacho". A alegria de caminhar.
Não se deve permanecer imóvel, parece dizer Dom Quixote. Pois caminhar presta extrema atenção ao fato sutil de caminhar. Porque caminhar nada mais é do que tempo: o intangível, o misterioso, do ser.
Mergulhar na literatura de Cervantes, especialmente Dom Quixote, assim como na de Freud, permite-nos identificar o motivo que, mal previsto, se esvai, escapa e então se acalma para reaparecer. A tradição humanística de influência espanhola que permeava as elites vienenses preparou Freud para se tornar um homem culto, mas desvinculado das convenções da época.
Nesta Córdoba, Cervantes ingressou no colégio jesuíta, que aceitava crianças de posses modestas, além das das classes altas. Cervantes deixou lembranças tão carinhosas daquela época como um aluno grato, que mais tarde se lembraria, das lições que ali recebeu, na passagem de O Colóquio dos Cães, de Cipião e Berganza.
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