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Novo livro de Fernanda Laguna, um mapa afetivo e sensorial da arte contemporânea

Novo livro de Fernanda Laguna, um mapa afetivo e sensorial da arte contemporânea

A primeira vez que a artista , poetisa e curadora Fernanda Laguna fez um curso de pintura, ela aprendeu – diz ela – a copiar: um feitiço mágico para fazer algo durar para sempre, como um Dorian Gray de beleza e ternura. Assim, aos 22 anos, ela criou sua primeira pintura, “Niña con perro” (Menina com Cachorro) (1994), um pequeno decalque ingênuo e autoadesivo em tons pastéis e “o desejo de uma estatueta de se tornar uma pintura”. É justamente essa obra – agora parte de uma coleção particular – que ilustra a capa de ¡Muy Espectacular! (Muito Espetacular! ), o novo livro da artista visual publicado pela Penguin Random House, que reúne “desejos, cartas e textos de arte” que abrangem de 1995 até o presente e que traçam, ao longo de três décadas, o mapa criativo, emocional e sensorial de uma das fundadoras da lendária galeria Belleza y Felicidad.

“O pequeno, o estranho, o quebrado, o deixado de lado são espetaculares por sua natureza épica”, escreve no início destas páginas a autora – que publicou nesta mesma editora com seu alter ego, Dalia Rosetti – e lança as bases para esta amarelinha literária e ensaística onde, mais uma vez, captura no papel em branco, para repetir o mesmo mecanismo de conjuração e perpetuação.

Enquanto se prepara para uma exposição no Malba em 2026 e uma retrospectiva no Museu Reina Sofía, na Espanha, em 2027 , Fernanda Laguna, que administra um espaço de Beleza e Felicidade em Villa Fiorito, propõe neste livro "um passeio exaustivo e alucinatório pela arte argentina contemporânea" por meio de ensaios que vão do epistolar ao prólogo e da conversa fantasiosa ao arrebatamento existencial.

De uma carta dedicada à cidade de Nova York a um texto para a Bienal de São Paulo de 2010, passando por um artigo para a revista chilena The Clinic , Laguna reúne uma seleção de textos que marcam o curso de sua carreira, traçando um mapa emocional e consolidando sua posição, que apela mais ao coração do que à enciclopédia, distante de qualquer indício de solenidade. No capítulo intitulado "Montajelândia", por exemplo, ele fala de como "a realidade é cis", enquanto o poema é "um portal trans".

Este conjunto de textos, que celebra o frágil — ou o que não se encaixa —, constitui também uma forma de resistência: “A vida se divide entre 'o que se encaixa' e 'o que não se encaixa'; o saudável versus o quebrado, o belo versus o feio. Isso não tem fim. E o mais bonito é que novos sistemas de avaliação podem ser conquistados. O que não se encaixa não quer se normalizar, mas sim integrar-se em sua diferença. Celebrar um mundo diverso seria a melhor coisa”, afirma Laguna (Buenos Aires, 1972) em entrevista ao Clarín .

Fernanda Laguna. Foto: cortesia. Fernanda Laguna. Foto: cortesia.

– Em vários textos do livro, amor, amizade e arte se entrelaçam como formas de apoio mútuo. Como você pensa hoje sobre esse "mapa afetivo" que você traça entre artistas, amigos e aliados ao longo do livro?

– Há um conceito muito bonito compartilhado pelas feministas das comunidades indígenas da América Central, que é o de corpo-território. Nossos corpos são territórios de ocupação, conquista, colonização, mas também são territórios de refúgio, lugares de criação, de resistência, de celebrações, de rituais coletivos, de amor. A amizade é a multiplicação de um território; é compartilhar, e onde podemos abrir cozinhas comunitárias, centros culturais, etc. Como com Cecilia Pavón, Beleza e Felicidade era sobre compartilhar o território da nossa amizade. O que Roberto Jacoby disse é muito importante para mim: a amizade como uma tecnologia que busca fortalecer a força coletiva.

– A obra que ilustra a capa, “Menina com Cachorro”, também foi sua primeira pintura, e no livro você menciona que foi um presente para Isolina Silva, uma figura-chave em sua vida e na história da fundação de Belleza y Felicidad Fiorito. Que legado dela permanece neste espaço?

Tive a sorte de conhecê-la. Acho que algo muito estranho aconteceu quando desci a rua com dez pacotes de macarrão instantâneo para doar e a encontrei coletando papelão para que pudéssemos doar comida para o seu refeitório comunitário. Foi uma coincidência maluca, mas o mais lindo é que nos tornamos muito amigas, apesar de sermos muito diferentes e completamente estranhas. Precisávamos uma da outra desde o início, e isso nos uniu. O legado dela é tão vasto, mas é todo feito de microcoisas: a estética da galeria em seus primórdios, com paredes de papelão cobertas de papel — a galeria era uma parede que dividia os cômodos. Seus artesanatos incrivelmente estranhos e malucos definiram o rumo; nossa primeira sala de jantar, construída no pátio com uma lareira; nossas conversas sobre existencialismo amador. Comecei com ela quase do zero, para ver como tudo poderia ser com a ajuda dela.

Fernanda Laguna. Foto: Lúcia Merle. Fernanda Laguna. Foto: Lúcia Merle.

–Você diz em um dos seus textos que a arte não pode ser institucionalizada porque "é um mistério", "uma variedade imprecisa". Como você se relaciona com as instituições de arte?

– Nunca me interessei por instituições porque escolhi o caminho independente, e acontece que, quando você tem que começar do zero com um espaço independente, você tem que esquecê-las, aconteça o que acontecer. Instituições geram prestígio, elas dão valor. E quando se busca o caminho independente, é preciso gerar suas próprias formas de apreciação, independentemente das demais. Agora, aos 53 anos, farei duas exposições em museus e me sinto muito grato. É uma grande oportunidade de ver como faço minhas obras parecerem frágeis e delicadas, entre outras coisas. Estou trabalhando duro; preciso me adaptar e, de alguma forma, filtrar a precariedade.

– Você diz que Beleza e Felicidade não analisava tanto o que estava acontecendo, mas sim o que era vivenciado. E também diz que, por algum motivo, era associado à superficialidade, como se a arte ligada ao prazer ou à emoção fosse menos séria. O que você pensa dessa perspectiva hoje?

– Éramos associados à superficialidade pela interpretação que algumas pessoas faziam do nome, também porque era uma continuação da obra de Rojas, onde o feminino era altamente desqualificado. Mulheres e gays eram superficiais, e homens eram intelectuais e profundos. As emoções eram menores e arbitrárias, então as pessoas desconfiavam delas. Mas queríamos tudo aquilo que era mal visto, por causa dessa coisa do amor que é gerado pelo frágil, pelo terno, pelo quebrado. Essas qualidades também servem às pessoas, e isso não significa que o que fizemos na ByF não tenha tido um impacto social: como a editora queer e super acessível (pensando em um momento de crise) que criamos, uma editora criada para ser coletivizada. Como o espaço cultural que fomos, que abrigou muitos artistas por nove anos, expandindo o significado dessa palavra.

Fernanda Laguna básica
  • É artista visual, escritora, curadora e professora. Em 1999, fundou o espaço artístico e editorial Belleza y Felicidad com a também escritora Cecilia Pavón, que funcionou até 2007. Em 2003, abriu uma filial da mesma galeria em Villa Fiorito. Integra o coletivo Ni Una Menos e, com Cecilia Palmeiro, desenvolve o arquivo vivo "Mareadas en la marea" (Inchando na Maré).
  • Como curadora, participou de duzentas exposições em espaços e museus independentes na Argentina e no exterior.
  • Ela recebeu bolsas de estudo da Kuitca e da Fundação para Iniciativas Artísticas. Em 2008, juntamente com uma equipe de artistas, desenvolveu um projeto especializado em Artes Visuais no bairro de Fiorito, que recebeu duas bolsas do Fundo Nacional para as Artes (FNA).
  • Seu trabalho foi adquirido pelo Museu de Arte Latino-Americana de Buenos Aires, pelo Museu de Arte Moderna de Buenos Aires, pelos Museus de Arte Contemporânea de Rosário e Salta, pela Fundação Cisneros, pelo Museu de Arte Contemporânea de Los Angeles, pelo Museu Pérez de Miami e pela Coleção Guggenheim.
  • Foi uma das criadoras da Periférica, primeira feira de espaços independentes do Centro Cultural Borges, também do espaço de performance e poesia Tu rito (2010-2013) e do espaço de arte Agatha Costure (2013-2016) e, junto com Javier Barilaro e Washington Cucurto, fundou a Eloísa Cartonera, projeto fundamental de reciclagem e distribuição editorial nos anos 2000.
  • Desde 1995, publica seus poemas de forma independente. Em 2012, a Editorial Mansalva publicou "Controle ou no control" e, em 2017, "Fernanda Laguna para colorir". Em 2018, publicou " Los grandes proyectos " (Página 12) e "La princesa de mis sueños" (A princesa dos meus sonhos) (Iván Rosado, Editora Rosário). Em 2015, sua obra literária foi traduzida para o inglês e publicada nos livros "Belleza y Felicidad " (Beleza e Felicidade) (Sand Paper Press) e "Sonhos e Pesadelos" (Editora Les Figures).
  • Alguns de seus livros em prosa, como "Durazno reverdeciente" (Pêssego Verde), "Me encanta que gustas de mí" (Adoraria que Gostasse de Mim), "Dame pelota" (Dê-me uma Bola) e "Sueños y pesadillas" ( Sonhos e Pesadelos), foram publicados sob o pseudônimo de Dalia Rosetti, seu alter ego. Ela também publicou "Spectacular ", uma coletânea de leituras e cartas sobre arte.

Muito espetacular!, por Fernanda Laguna (Random House).

Clarin

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