Os riscos do país afundar numa assembleia constituinte

A proposta de convocar uma assembleia nacional constituinte na Colômbia ressurgiu no debate político como uma alternativa ao referendo e, em geral, como uma forma de superar os obstáculos que, na visão do atual governo, são colocados pelo quadro institucional existente.
O presidente Gustavo Petro e o ministro da Justiça, Eduardo Montealegre, indicaram que o Congresso bloqueou reformas estruturais essenciais e argumentam que esse bloqueio — juntamente com questões processuais — poderia justificar o recurso ao poder constituinte para superar a instabilidade legislativa.

O presidente Petro voltou a falar sobre a Assembleia Constituinte após assinar o decreto para o referendo. Foto: Joel Gonzalez. Presidência
Montealegre já havia declarado em um comunicado à imprensa em maio de 2024 que a assembleia constituinte não é apenas legítima, mas uma obrigação política derivada do acordo de paz de 2016, já que esse tratado tem "status constitucional" e o Poder Executivo tem autoridade para aplicá-lo.
No entanto, essa proposta desencadeou um intenso debate jurídico e político que exacerbou a polarização e levantou questões sobre os limites institucionais e a preservação do Estado de Direito. Por essas razões, é essencial analisar sua viabilidade jurídica e os procedimentos necessários para implementá-la, bem como avaliar a relevância política de uma assembleia constituinte, uma vez que o processo exige um equilíbrio entre legitimidade política e conformidade com o arcabouço constitucional vigente.
Os requisitos No contexto deste debate, foram levantadas várias opções para a convocação de uma assembleia constituinte, incluindo a possibilidade de fazê-lo através de referendo popular , sem necessidade de lei prévia, ou por iniciativa direta dos cidadãos através da recolha de assinaturas, como permitem os artigos 3.º e 103.º da Constituição.

Presidente Gustavo Petro Foto: Arquivo EL TIEMPO
Entretanto, essas alternativas têm sido alvo de contestações judiciais e podem ser declaradas inconstitucionais , visto que o artigo 376 estabelece a aprovação de lei pelo Congresso Nacional como único meio legítimo: "Por lei aprovada pelo Congresso Nacional, pela maioria dos membros de ambas as casas do Congresso Nacional, o povo poderá ser convocado, mediante voto popular, para decidir sobre a convocação de uma assembleia constituinte, com o fim de reformar a Constituição."
Este mecanismo excepcional permite a substituição ou reforma substancial do estatuto político, mas sua ativação está sujeita a condições estritas, tanto jurídicas quanto políticas, conforme estabelecido nos artigos 58 a 63 da Lei 134 de 1994 e no artigo 20, parágrafo e, da Lei 1757 de 2015. De acordo com essas regras, os passos a seguir seriam:
Aprovação de uma lei convocatória: o Congresso deve aprovar uma lei que estabeleça claramente a motivação e o escopo da reforma constitucional, o número de membros que comporão a assembleia, as regras para sua eleição, o prazo dentro do qual ela deve operar e o mecanismo para submeter a convocação a um referendo. Essa lei exige maioria absoluta de ambas as casas , ou seja, pelo menos 54 senadores e 86 deputados.

Sessão Plenária do Senado. Foto: César Melgarejo/El Tiempo
Revisão Constitucional: Antes de sua promulgação, a lei destinada a convocar uma assembleia constituinte deve ser revista pelo Tribunal Constitucional , nos termos do artigo 241 da Constituição, para garantir que respeite os princípios democráticos, não viole direitos fundamentais e cumpra os limites substantivos e processuais estabelecidos pela Constituição.
Aprovação por voto popular: Após a aprovação da lei convocatória pelo Tribunal Constitucional, deve ser realizada uma votação popular, na qual os cidadãos terão a oportunidade de decidir se aceitam ou não a formação de uma assembleia constituinte . Para que o resultado seja vinculativo, deve ser superior a um terço do eleitorado.
A convocação da Assembleia Constituinte será aprovada quando pelo menos um terço dos membros do recenseamento eleitoral votarem a favor. Com base no recenseamento atual, seriam necessários pelo menos 13.696.612 votos a favor.
Eleição dos membros da assembleia constituinte: Se a assembleia for aprovada, a eleição dos seus membros realizar-se-á no prazo de dois a seis meses.
Uma vez eleita, a assembleia, durante o período estabelecido para seu funcionamento, terá o poder de deliberar e aprovar disposições relacionadas às matérias de sua competência.
Nesse sentido, é importante ressaltar que, segundo a legislação colombiana, embora a Assembleia Constituinte possa ter um mandato amplo, ela não pode ir além dele. Uma Assembleia Constituinte não pode estender seu mandato ou atuar como um poder ilimitado, a menos que expressamente autorizada pelo povo.

O presidente Gustavo Petro comemorou a aprovação da reforma no Congresso. Foto: Ovidio Gonzalez. Presidência
Em diversas decisões, como a C-141 de 2010, o Tribunal Constitucional enfatizou que o poder constituinte derivado está sujeito à legalidade democrática e deve obedecer rigorosamente aos procedimentos estabelecidos pela Constituição.
Entretanto, embora o arcabouço constitucional e legal permita a convocação de uma assembleia constituinte, é crucial compreender completamente o alcance e as implicações políticas dessa ferramenta antes de embarcar em um processo de tal magnitude.
O significado político As assembleias constituintes representam um dos mecanismos mais poderosos do direito constitucional contemporâneo: elas permitem que o poder constituinte original — a soberania popular — se expresse diretamente para transformar ou substituir o arcabouço institucional de um país, resultando em uma profunda reconfiguração do pacto social, com implicações jurídicas, simbólicas e políticas.

ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE Foto: Arquivo El Tiempo
Esse processo tem o potencial de relegitimar sistemas políticos marcados pela desconfiança, corrupção ou exclusão, oferecendo um espaço transparente, participativo e pluralista. Além disso, pode consolidar um novo consenso nacional sobre os propósitos do Estado, a organização do poder e os direitos fundamentais, o que fomenta a reconciliação social.
Em termos simbólicos, uma assembleia constituinte implica uma ruptura com o passado e a construção de uma nova narrativa nacional, como demonstraram os casos da África do Sul em 1996 e da Bolívia em 2009, e até mesmo da Colômbia com a Constituição de 1991. Ela também atua como um instrumento de mobilização social, promovendo a deliberação pública e fortalecendo a cultura cívica em setores tradicionalmente marginalizados.
A incerteza institucional durante o processo pode gerar brechas legais e disputas sobre supremacia normativa.
No entanto, embora possa ser um mecanismo transformador, ele também traz riscos significativos porque sua convocação não é neutra nem mecanicamente técnica.
Ao mesmo tempo em que pode ser uma forma de aliviar a rigidez institucional, aprofundar a democracia e reconstruir o contrato social, também pode ser usada como instrumento para concentrar poder, erodir garantias constitucionais ou legitimar projetos pessoais.
A incerteza institucional durante o processo pode gerar brechas legais e disputas sobre supremacia normativa, enquanto sua potencial captura por elites ou maiorias autoritárias pode colocar em risco a democracia e aumentar o risco de regimes autoritários se disfarçarem de participação direta.

Votação. Foto: Luís Acosta. AFP
Além disso, há um potencial de enfraquecimento das garantias constitucionais existentes, especialmente direitos fundamentais e mecanismos de supervisão, se limites claros não forem estabelecidos.
O caso da Assembleia Constituinte do Chile (2021-2022) exemplifica tanto as conquistas quanto as limitações da convocação de uma assembleia constituinte. Com paridade de gênero e assentos reservados para povos indígenas, a convenção foi a primeira do gênero no mundo, mas sua proposta foi rejeitada por 62% do eleitorado em setembro de 2022, evidenciando uma lacuna entre o ideal deliberativo e a percepção pública, bem como o risco de que as propostas se mostrem radicais ou pouco pragmáticas demais.
Embora as assembleias constituintes ofereçam uma oportunidade única de reformular o contrato social com participação inclusiva, elas também trazem riscos de polarização , rejeição e enfraquecimento da coesão social se o desenho institucional e o grau de deliberação não estiverem bem equilibrados.
É conveniente agora? No caso específico da Colômbia, a convocação de uma assembleia constituinte pode representar um risco, dado o nível de polarização política do país. Poderia exacerbar divisões sociais e políticas e favorecer interesses parciais em detrimento de um consenso nacional.

Marcha Silenciosa em Bogotá Foto: Néstor Gómez
A pressão por uma assembleia constituinte como solução para a frustração política com o Congresso pode ser interpretada como uma forma de burlar os freios e contrapesos democráticos, enfraquecendo a legitimidade de instituições que precisam ser reformadas internamente. Críticos e juristas apontaram que isso poderia representar um "ataque" à separação de poderes, com o risco de levar a um "autogolpe".
Por outro lado, organizações como Dejusticia enfatizam que as reformas propostas já são viáveis dentro do atual marco constitucional e alertam para os perigos de seguir um caminho que, em vez de fortalecer a democracia, pode fraturá-la.
De fato, a Constituição de 1991, considerada uma das mais avançadas da América Latina, estabelece direitos fundamentais, sociais e coletivos, além de garantir mecanismos como a proteção e a participação cidadã. Estabeleceu também mecanismos de reforma que permitem sua adaptação gradual, sem a necessidade de sua substituição completa.
Foi alterado mais de cinquenta vezes para abordar questões-chave como justiça, equilíbrio de poder e o acordo de paz. Portanto, as mudanças necessárias em áreas como justiça social, reforma agrária e democratização do poder podem ser alcançadas dentro deste quadro , desde que haja vontade política e capacidade institucional.
O problema subjacente na Colômbia não tem sido a falta de leis progressistas, mas sim sua fraca implementação. Muitas das promessas da Constituição de 1991 — como o direito à saúde, educação gratuita, autonomia territorial, reconhecimento de grupos étnicos e, mais recentemente, os compromissos do acordo de paz — foram ignoradas, desfinanciadas ou sabotadas por interesses políticos, econômicos e burocráticos.
Nesse contexto, promover uma nova Constituição poderia desviar a atenção do verdadeiro desafio, que é consolidar um Estado capaz, justo e eficaz que garanta os direitos já reconhecidos. Além disso, iniciar um processo constitucional sem abordar as lacunas estruturais de implementação poderia resultar em uma nova carta de intenções não cumprida, o que alimentaria ainda mais a desilusão dos cidadãos e a insatisfação institucional.

Marcha silenciosa na Praça Bolívar. Foto: Nestor Gómez. O TIEMPO
Concluindo, convocar uma assembleia constituinte na Colômbia, longe de ser a solução para os problemas estruturais do país, pode se tornar um exercício custoso, arriscado e desestabilizador se não forem atendidas as condições mínimas de consenso e maturidade institucional.
A Constituição de 1991 não é o obstáculo: o verdadeiro desafio é aplicá-la, aprofundar a democracia por meio de sua implementação efetiva e fortalecer a capacidade do Estado de garantir direitos e construir uma paz duradoura. Em vez de restabelecer o sistema jurídico, a Colômbia precisa reafirmar seu compromisso com o Estado de Direito social consagrado em sua Constituição atual.
MARCELA ANZOLA* - MOTIVO PÚBLICO**
(*) Advogado pela Universidade Externado da Colômbia, Doutor em Estudos Políticos pela Universidade Externado da Colômbia, consultor independente.
(**) Razón Pública é um think tank sem fins lucrativos que visa garantir que os melhores analistas tenham maior influência na tomada de decisões na Colômbia.
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