Por que o Homo sapiens sobreviveu e os neandertais não? Nova pesquisa revela
Há cerca de meio milhão de anos, o Homo sapiens divergiu da linha evolutiva que levava aos neandertais e denisovanos. Ao mesmo tempo, nossa espécie passou por diversas mudanças sutis na bioquímica cerebral. Essas alterações afetam a estabilidade e a expressão genética da enzima adenilossuccinato liase, ou ADSL. Essa enzima está envolvida na biossíntese de purinas — compostos químicos que são os componentes básicos dos nucleotídeos que compõem o DNA e o RNA. A deficiência de ADSL é uma doença metabólica rara e hereditária que leva a distúrbios neurológicos graves, incluindo epilepsia resistente a tratamento e deficiência intelectual. Os resultados do estudo mais recente foram publicados na revista Proceedings of the National Academy of Sciences.
Este gene influencia o comportamento humanoUma equipe internacional de cientistas do Instituto de Ciência e Tecnologia de Okinawa (OIST), no Japão, e do Instituto Max Planck de Antropologia Evolutiva, na Alemanha, descobriu que essas mudanças podem desempenhar um papel significativo em nosso comportamento. Os pesquisadores examinaram uma versão do gene comum em humanos modernos, mas não em neandertais ou denisovanos. Essa mudança parece ter ocorrido no Homo sapiens após sua divergência da linhagem evolutiva, mas antes de deixarem a África. Dado que mutações no gene ADSL podem causar disfunção cerebral, os pesquisadores começaram a se perguntar se mudanças nesse gene poderiam ter proporcionado ao Homo sapiens uma vantagem cognitiva ou comportamental.
"Estou convencido de que existe uma diferença fundamental entre os humanos modernos e outras formas anteriores de humanos", disse Svante Pääbo, do Instituto Max Planck de Antropologia Evolutiva e um dos autores do estudo. "Neandertais e denisovanos nunca atingiram populações superiores a algumas centenas de milhares, sua tecnologia praticamente não mudou por centenas de milhares de anos — e os humanos modernos se espalharam pelo planeta em apenas cem mil anos e desenvolveram uma tecnologia e uma cultura que mudaram muito rapidamente", acrescentou.
O que está por trás do sucesso evolutivo do homo sapiens?Neste estudo mais recente, cientistas examinaram minuciosamente a enzima ADSL. Ela consiste em uma cadeia de 484 aminoácidos. Curiosamente, as variantes modernas e antigas dessa enzima diferem em apenas um aminoácido. Na posição 429, nossos ancestrais possuem alanina, enquanto os humanos modernos possuem valina. Os pesquisadores observaram em laboratório que a versão moderna do gene alterava a estabilidade da enzima. Quando introduziram essa versão em camundongos, descobriram que ela induziu uma mudança comportamental nas fêmeas.
Durante o experimento, os pesquisadores deram água aos camundongos após a apresentação de um estímulo visual ou auditivo. Com o tempo, os pesquisadores começaram a restringir a quantidade de líquido. Descobriram que as fêmeas implantadas com o gene ADSL humano bebiam água significativamente mais eficientemente e com mais frequência quando estavam com sede do que seus irmãos. Isso sugere que a atividade reduzida a enzima permitiu que eles competissem melhor por um recurso limitado.
"É muito cedo para traduzir essas descobertas diretamente para humanos, porque o circuito neural dos camundongos é diferente", disse o Dr. Xiang-Chun Ju, principal autor do estudo. "No entanto, a substituição pode ter nos dado alguma vantagem evolutiva em certas tarefas em comparação com nossos ancestrais", acrescentou.
Os cientistas também descobriram outras alterações genéticas comuns em humanos que causam redução Atividade ADSL. Eles também encontraram evidências de que essas mudanças foram favorecidas pela evolução, sugerindo que deram uma vantagem ao Homo sapiens.
"Esta enzima passou por duas rodadas distintas de seleção que reduziram sua atividade — primeiro alterando a estabilidade da proteína e, depois, reduzindo sua expressão. Claramente, há uma pressão evolutiva para reduzir a atividade da enzima o suficiente para proporcionar os efeitos que observamos em camundongos, mantendo simultaneamente sua atividade alta o suficiente para evitar a deficiência de ADSL", explica o coautor do estudo, Dr. Shin-Yu Lee.
No momento, os cientistas não conseguem explicar por que camundongos fêmeas parecem ter obtido vantagem competitiva. Mais pesquisas são necessárias para compreender o papel do ADSL na mudança comportamental.
RP