Entenda o que pode acontecer com os 2 mil processos da juíza demitida por copiar decisões no RS
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Juíza é demitida por copiar decisões no RS
"Os fatos são antigos e os processos judiciais já foram revisados e saneados pelos juízes que sucederam a magistrada", afirmou o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, em resposta ao g1.
Angélica foi empossada em julho de 2022, mas estava afastada desde setembro de 2023, devido à apuração disciplinar. Ela foi demitida porque ainda estava em estágio probatório.
De acordo com o jurista e professor da Faculdade de Direito da UFRGS Bruno Miragem, as decisões só podem ser alteradas caso haja recurso, como em qualquer processo.
"Não parece ser o caso de anulação. As decisões foram dadas e são válidas. Podem ser modificadas pela parte interessada, que discordar dela, por intermédio de recurso no prazo previsto na legislação", afirma.
Conforme o Processo Administrativo Disciplinar (PAD) que resultou na demissão, a juíza desarquivou processos e proferiu novas decisões — copiadas — para "aumentar a produtividade". Para Miragem, a prática não costuma ser feita por iniciativa do juiz e a situação é rara de acontecer.
A defesa da juíza afirma que discorda da pena e que ajuizou um Pedido de Revisão Disciplinar no CNJ. Diz ainda que a magistrada foi designada para uma vara que estava há anos sem juiz titular, com processos acumulados e sem rotinas estruturadas.
A demissão foi assinada no dia 3 de julho pelo desembargador Alberto Delgado Neto, presidente do TJ-RS. A medida foi tomada pelo Órgão Especial do TJ-RS em fevereiro e confirmada em maio deste ano, quando o Processo Administrativo Disciplinar (PAD) transitou em julgado.
"Existe uma série de deveres que estão previstos na Lei Orgânica da Magistratura. E dentre esses deveres está o dever de exatidão. O juiz tem um dever funcional de examinar os fatos do processo, as provas produzidas e decidir com base nessas provas. Isso por si só faz com que não possa haver decisões massificadas absolutamente iguais", acrescenta.
A defesa manifesta profundo respeito pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, mas discorda veementemente da penalidade imposta à magistrada Angélica Chamon Layoun, por considerá-la desproporcional, juridicamente viciada e carente de prova de dolo ou má-fé, elementos indispensáveis à configuração de falta funcional gravíssima.
Esclarecemos que não cabe recurso interno no âmbito do TJRS. Por essa razão, foi ajuizado Pedido de Revisão Disciplinar no CNJ, onde se discute a proporcionalidade da sanção e vícios de instrução do processo disciplinar.
Por se tratar de processo que tramita sob sigilo, não é possível comentar o conteúdo integral dos autos ou os argumentos apresentados na petição de revisão disciplinar.
Ressalvado esse limite, cumpre esclarecer que a magistrada foi designada para uma vara cível que estava há anos sem juiz titular, com grande passivo processual e uma cultura de autogestão consolidada, sem rotinas estruturadas. Nesse cenário, buscou corrigir falhas operacionais, reordenar o fluxo processual e promover melhorias administrativas, enfrentando resistências internas que acabaram servindo de catalisador para o processo disciplinar.
Além dos desafios próprios de uma unidade desorganizada, a juíza enfrentou dificuldades adicionais decorrentes de discriminação velada, por ser oriunda de outro estado, mulher e mãe de uma criança de três anos à época, diagnosticada com transtorno do espectro autista (TEA).
A conciliação entre os deveres funcionais e o cuidado com uma criança com necessidades especiais representa um desafio adicional que qualquer mãe magistrada pode compreender.
Eventuais equívocos ou falhas operacionais, naturais em estágio probatório e agravados pelas dificuldades de adaptação a sistemas digitais complexos, não podem justificar o rigor da medida disciplinar aplicada.
A Corregedoria-Geral de Justiça deveria ter priorizado medidas pedagógicas e de orientação, e não punições de natureza extrema, especialmente quando não há má-fé, dano às partes ou violação da moralidade.
Este caso suscita reflexões importantes sobre como a magistratura lida com as especificidades enfrentadas por mulheres magistradas, especialmente aquelas que exercem a maternidade simultaneamente à função jurisdicional.
A situação vivenciada pela magistrada Angélica poderia ocorrer com qualquer mulher que enfrente os desafios da dupla jornada profissional e maternal no exercício da magistratura.
A atuação da magistrada foi pautada pela boa-fé, pelo compromisso com o serviço público e pela transparência funcional.
Confia-se que o CNJ saberá avaliar o caso com isenção e profundidade, garantindo o respeito ao devido processo legal, à proporcionalidade da sanção e às garantias da magistratura nacional.
NILSON DE OLIVEIRA RODRIGUES FILHOOAB/RS 121.624
PEDRO HENRIQUE FERREIRA LEITEOAB/PR 60.781
ADVOGADOS DA MAGISTRADA ANGÉLICA CHAMON LAYOUNMEDINA OSÓRIO ADVOGADOS
Angélica Chamon Layoun — Foto: Reprodução/Redes sociais/LinkedIn
Globo