Mais drama, menos informação: o vírus do infotainment

Durante décadas, acreditou-se que o acesso generalizado à informação nos tornaria cidadãos mais conscientes e geraria sociedades mais maduras. Hoje, vivemos rodeados de dados, opiniões e notícias de última hora. E, no entanto, o debate público parece cada vez mais superficial, emocional e fraturado. Que paradoxo é este?
Estamos a assistir à substituição da análise pela reação. Do contraditório pela indignação. Da construção de sentido pela explosão de cliques. O infotainment, essa mistura de informação com entretenimento, tomou de assalto o espaço mediático e político. Notícias dramatizadas, títulos hiperbólicos e interpretações insinuantes não são exceção: são regra.
Isto não acontece porque os jornalistas tenham deixado de saber o que é relevante. Bem pelo contrário. Muitos enfrentam redações vazias, ritmos alucinantes e exigências de desempenho digital que deixam pouco espaço para a profundidade. Num ecossistema onde a atenção do público se mede em segundos, é quase inevitável recorrer a fórmulas que provoquem reações rápidas, mesmo que isso comprometa a qualidade do conteúdo.
Mas as consequências são reais. Quando uma notícia técnica, financeira ou jurídica é embrulhada num enredo de confronto, tensão ou suspeita, o público fica com a sensação de que há sempre algo escondido, uma guerra nos bastidores, um “eles” contra “nós”. Mesmo que os factos não sustentem essa narrativa. O que devia informar, esclarecendo contextos e implicações, passa a alimentar desconfianças e polarizações.
Este estilo de cobertura, mais intrigante do que instrutivo, não é apenas uma questão de forma. É um fator de erosão da confiança institucional e de empobrecimento democrático. A política transforma-se numa série de episódios com vilões e heróis. As instituições perdem espaço para se explicarem. O cidadão é tratado como espectador e não como participante.
Não se trata de pedir um jornalismo aborrecido ou burocrático. Trata-se de resgatar a missão de informar com rigor, mesmo em ambientes competitivos e acelerados. É possível escrever de forma envolvente sem distorcer o essencial. É possível captar a atenção sem manipular a perceção. É possível, e necessário.
A responsabilidade, claro, não é exclusiva dos media. A cultura digital habituou-nos à recompensa imediata. As redes sociais amplificam emoções extremas. Os próprios consumidores de notícias passaram a preferir a gratificação rápida à compreensão profunda.
Democracias robustas vivem de debate informado, de pluralismo com tempo para pensar. Se deixarmos que o espaço público seja dominado pelo ruído, pelas insinuações e pelos falsos dilemas, acabamos todos a discutir versões simplificadas da realidade e a tomar decisões com base em perceções distorcidas.
Precisamos de desacelerar. Talvez pensar mais e reagir menos. De exigir mais responsabilidade a quem informa, mas também mais responsabilidade a nós próprios, enquanto leitores e cidadãos.
A informação não se cumpre no espetáculo. Cumpre-se no esclarecimento.
Consultora de comunicação
sapo