Do passado, resgatamos apenas o que nos une

Num tempo em que muitos escolhem fechar-se dentro das suas fronteiras e minar as pontes que nos ligam, cabe a Portugal recuperar o seu papel pioneiro na globalização e ousar, uma vez mais, redescobrir um “novo Mundo” — desta vez, através da construção de uma União Económica da CPLP.
Não nos une apenas a língua. Une-nos a cultura, os valores, um passado comum — com todas as suas virtudes e vicissitudes. Une-nos o Oceano: esse mar infinito de oportunidades num mundo cada vez mais isolacionista. Se Portugal e os países da CPLP pretendem deixar de ser figurantes no palco geopolítico global, então, têm de construir juntos, mais do que economia — um futuro partilhado, de forma justa e entre iguais.
Houve um tempo em que fomos pioneiros, navegando por mares nunca dantes navegados. Honremos esse passado com a coragem de construir algo novo, lado a lado com os nossos irmãos. Sigamos o exemplo da Francofonia ou da Commonwealth e avancemos na criação de uma verdadeira comunidade lusófona com expressão económica, diplomática e cultural.
É incoerente querer dinamizar a integração económica no seio da CPLP enquanto se dificultam os mecanismos de mobilidade e regularização de cidadãos oriundos desses mesmos países. Alterar a Lei dos Estrangeiros nesse sentido é dar um sinal contrário à cooperação. Recuar na política de vistos ou erguer muros burocráticos mina a confiança entre Estados e compromete décadas de diplomacia lusófona.
O caminho responsável para o controlo dos fluxos migratórios não pode assentar na construção de cercas burocráticas, mas sim no fomento do desenvolvimento dos países de origem. Restrições arbitrárias apenas incentivam vias ilegais e desreguladas, comprometendo a segurança e a dignidade de todos os envolvidos.
E para além da dimensão humanitária — que deve ocupar espaço central —, estas restrições, além de não resolverem qualquer problema real em Portugal, dificultam seriamente a resposta a um dos maiores desafios que enfrentamos: o envelhecimento demográfico.
O “inverno demográfico” que afeta Portugal torna a entrada de migrantes da CPLP não apenas uma oportunidade económica e cultural — mas a única tábua de salvação realista para que possamos vislumbrar uma primavera demográfica. Apenas o calor, a cultura e a juventude dos povos irmãos poderão derreter o inverno onde nos deixámos acomodar.
As bases desse futuro estão lançadas, mas carecem de um novo impulso. Segundo a AICEP, em 2023, as trocas comerciais na CPLP atingiram 7,8 mil milhões de euros, com Portugal como principal eixo de exportações e importações com o Brasil e Angola. Em 2025, foi criada a Câmara de Comércio da Lusofonia e das Diásporas, com o objetivo de mobilizar empresários e reforçar laços económicos e culturais. Mas Portugal deve ser mais ambicioso. O caminho passa por apresentar, no plano europeu, uma visão coerente da sua política externa: se a União Europeia estabeleceu um acordo com o Mercosul, por que não impulsionar um entendimento semelhante com a CPLP? Portugal pode — e deve — ser o arquiteto dessa ponte, aproximando blocos económicos e construindo cadeias de valor sustentadas na lusofonia.
Que Portugal reganhe a sua centralidade estratégica no panorama internacional. Que modernize os seus portos, agilize as trocas comerciais e reconstrua, com justiça e inteligência, as antigas rotas da Mina e do Brasil — agora numa relação de respeito mútuo, com uma integração económica justa. Que o faça com foco no conhecimento, no desenvolvimento sustentável, na transição ambiental e no reforço de mecanismos como o Fundo Climático e Ambiental, lançado em 2023 e continuado pelos governos seguintes, e que permitiu converter a dívida pública dos membros da CPLP para com Portugal, num fundo de investimento para aceleração do processo de transição energética.
São estes os caminhos que podem fazer Portugal ganhar ainda maior centralidade no panorama geoestratégico global — e não certos laivos de revisionismo histórico que rendem nas redes sociais, mas que, na realidade, pouco ou nada resolvem. Pelo contrário: apenas reabrem feridas que há muito deviam estar cicatrizadas.
observador