É no interior que o país se joga

Há muito que falamos do interior como uma prioridade nacional. Contudo, a fixação da população em territórios de baixa densidade tem sido tratada como um problema estrutural adiado — sempre importante, nunca urgente. Quando uma empresa portuguesa anuncia medidas reais para contrariar esta tendência, vale a pena parar e refletir.
A Sword Health, uma startup nascida no Porto e hoje referência mundial na área da saúde digital, decidiu implementar um salário mínimo interno de 1 300 € para todos os seus colaboradores, independentemente da sua localização. Para além disso, quem optar por trabalhar remotamente a partir do interior do país recebe bónus adicionais. Não se trata apenas de um gesto simbólico: é uma decisão com impacto no bolso, na vida e, potencialmente, no território.
Estamos diante de uma decisão estratégica que combina propósito social com visão empresarial. Num país onde as assimetrias territoriais continuam a empurrar talento para o litoral e para o estrangeiro, esta medida sinaliza que há futuro competitivo fora dos centros urbanos, desde que as condições estejam criadas.
O digital tem eminentemente esse potencial transformador. Pode romper com a centralização excessiva e levar oportunidades a zonas onde o Estado tarda em chegar. Mas a solução não está em insistir na dependência do poder central. O caminho está em criar um ambiente favorável à iniciativa privada, onde empreendedores e empresas sintam que vale a pena apostar no interior, tanto quanto em qualquer outra parte do país.
Durante décadas, o investimento público concentrou-se nos mesmos eixos. O resultado está à vista: o interior perdeu população, perdeu serviços, perdeu atratividade. A resposta institucional tem sido quase sempre paliativa, muitas vezes mais preocupada com a subsidiação do que com a criação de condições reais para o crescimento sustentável.
Tudo isto é reflexo de um centralismo que não é apenas geográfico, é também político e económico. As decisões, os investimentos, os incentivos e os centros de decisão continuam excessivamente concentrados. Mas essa realidade não é uma fatalidade. Pode (e deve) ser contrariada com estratégia e pragmatismo.
Uma política fiscal inteligente pode fazer toda a diferença. Reduções de IRC para empresas que se instalem em zonas de baixa densidade, isenções temporárias de TSU, acesso preferencial a fundos europeus ou simplificação de licenciamentos são exemplos de medidas que criam condições reais para atrair investimento. Não se trata de criar exceções — trata-se de nivelar o terreno de jogo e reconhecer o mérito de quem arrisca onde é mais difícil começar.
Ao mesmo tempo, é fundamental que as autarquias do interior sejam capacitadas para serem agentes ativos nesta transformação. Criar zonas industriais competitivas, oferecer terrenos com boa conectividade, facilitar a instalação de empresas e trabalhar em articulação com universidades e centros tecnológicos deve ser parte da equação. Para isso, os municípios precisam de meios, de quadros qualificados e de liberdade para decidir.
A Sword Health não espera que o Estado faça tudo. Assume o seu papel com responsabilidade e visão. Mostra que é possível fazer diferente e que o retorno, financeiro e social, pode ser significativo. Se mais empresas seguirem este exemplo, e se o Estado entender que o seu papel é o de facilitar, não travar, então talvez possamos mesmo mudar o destino do interior.
Mais do que uma questão local, o futuro do interior é um teste à nossa capacidade de pensar o país como um todo. E é, cada vez mais, no interior que o país se joga.
observador