Entre a esperança e o labirinto: imigração

Portugal tornou-se, nos últimos anos, um destino cada vez mais procurado por cidadãos estrangeiros em busca de melhores condições de vida, estabilidade e segurança.
Para um advogado, poucos caminhos são tão sinuosos como o de acompanhar um processo de regularização de um cidadão estrangeiro em Portugal. Entre formulários duplicados, plataformas que colapsam à segunda tentativa de login e critérios que variam conforme o humor da entidade competente, é possível viver uma autêntica odisseia jurídico-democrática – só que sem Ulisses, sem final feliz e, geralmente, sem respostas ao e-mail enviado há oito meses.
A mais recente reformulação do regime jurídico da imigração, com a criação da Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA, I.P.) e a extinção formal do SEF, foi anunciada como um passo decisivo na modernização e humanização das políticas migratórias. Na prática, porém, a realidade forense continua marcada por incertezas, desarticulação institucional e prazos imprevisíveis.
O instrumento mais emblemático – e também mais problemático – continua a ser o pedido de Manifestação de Interesse. O que se pretendia como via extraordinária e excecional tornou-se, na verdade, a porta de entrada habitual. Só que uma porta com trinco interno, sem campainha e com o aviso “Aguarde resposta”. Quem submete hoje, espera pacientemente pelo ano fiscal seguinte (ou pelo nascimento de um neto) para saber se a situação foi analisada. E não se trata de ausência de critérios – bem pelo contrário. Critérios existem, e devem existir. O problema é que não há respostas, nem decisões, nem previsibilidade. Não há deferimento, mas também não há indeferimento.
A nova lei da imigração promete celeridade e simplificação. Prometer é sempre simpático. Para os advogados que acompanham estes processos, a prática continua marcada por dificuldades na marcação de atendimentos e divergência de critérios, num verdadeiro jogo de pistas falsas, onde cada requerimento tem uma interpretação diferente conforme o balcão, o técnico ou o fuso horário.
No caso do Reagrupamento Familiar, os obstáculos são particularmente sensíveis. A proteção constitucional de proteção da unidade familiar (art. 36.º da CRP) esbarra, muitas vezes, numa teia de exigências documentais desproporcionadas, atrasos que parecem esquecer que por trás de cada requerimento há uma família em suspenso.
A imigração não é apenas um desafio político ou económico; é um teste à nossa capacidade jurídica de incluir, proteger e organizar uma sociedade multicultural num quadro de legalidade e justiça. Não se exige que todos os pedidos sejam deferidos. Exige se, apenas, que todos sejam decididos. Com clareza, fundamentação e razoabilidade. Porque entre a esperança e o labirinto, o que falta, não é a lei – é a resposta.
observador