O algoritmo que não faz pausa: TikTok e propaganda

Fiz parte de um estudo do Movimento pela Democracia Participativa (MDP) sobre o algoritmo do TikTok durante o período eleitoral de 2025 em Portugal que veio expor, com dados concretos, uma realidade inquietante para a nossa democracia.
A análise rigorosa de 500 vídeos exibidos a dez perfis neutros, criados especificamente para este estudo e representando diferentes idades e sexos, revelou que 7,4% dos conteúdos tinham natureza político-partidária, sendo a esmagadora maioria favorável ao CHEGA. Mais grave ainda, esta exposição não parou durante o dia de reflexão eleitoral, em clara violação da legislação portuguesa que proíbe propaganda política nesse período.
A investigação demonstrou que o algoritmo do TikTok não só prioriza conteúdos virais, como também é altamente eficaz na microsegmentação. Perfis masculinos receberam mais de três vezes mais vídeos políticos do que femininos, e os adultos foram especialmente visados, com 73% dos terceiros vídeos exibidos a perfis com mais de 25 anos a serem de teor político. Embora os jovens entre os 18 e os 24 anos tenham recebido, inicialmente, sobretudo vídeos de humor e dança, todos acabaram por ser expostos a mensagens políticas. O uso de hashtags virais e geopolíticas, como #fyp, #chega e #andreventura, potenciou ainda mais a propagação destes conteúdos.
Outro dado preocupante é a ausência quase total de pluralidade política: entre os 37 vídeos políticos identificados, 34 eram pró-CHEGA, dois eram críticos a este partido e apenas um era neutro (de apelo ao voto). Não foram detectados vídeos de apoio a outros partidos com representação parlamentar, o que sugere um enviesamento algorítmico ou, pelo menos, uma grave sub-representação de outras forças políticas. A concentração de influência é agravada pelo facto de 70% dos vídeos analisados terem origem em influencers, enquanto apenas 20% provinham de pessoas comuns e 5% de media tradicional.
Estes resultados são ainda mais preocupantes quando se considera que mais de 700 mil eleitores portugueses decidiram o seu voto apenas no próprio dia das eleições legislativas de 2025. Com uma média de 1h13 diária no TikTok, um jovem pode ser exposto a três ou quatro vídeos políticos por sessão, o que é suficiente para influenciar perceções e decisões num momento de indecisão. O padrão de exposição identificado – mais vídeos políticos para perfis masculinos e adultos – reflete-se nos resultados eleitorais: 32% dos votos no CHEGA provêm de eleitores entre os 18 e os 34 anos, sendo que os rapazes votam cinco vezes mais na extrema-direita do que as raparigas.
Face a estas conclusões, o MDP não se limitou à denúncia pública. No próprio dia de reflexão, foi feita uma participação formal à Comissão Nacional de Eleições (CNE), alertando para a violação do silêncio eleitoral e para o risco de manipulação algorítmica do voto. Paralelamente, todos os partidos políticos portugueses com representação parlamentar foram informados dos resultados do estudo e convidados a pronunciar-se sobre o tema. No entanto, até à data, nem a CNE nem qualquer partido político respondeu ou apresentou qualquer comentário público sobre o assunto.
Este silêncio é, em si mesmo, revelador e preocupante. Num momento em que a integridade do processo democrático está em causa, seria de esperar uma reacção firme das instituições e dos representantes eleitos. A ausência de resposta só reforça a necessidade de uma revisão urgente do enquadramento legal das plataformas digitais, de uma monitorização ativa dos conteúdos durante períodos sensíveis e de um investimento sério em literacia digital junto dos jovens. A democracia portuguesa não pode ficar refém de algoritmos opacos, desenhados para maximizar o tempo de utilização e o engagement, mas que acabam por interferir diretamente na formação da vontade popular.
O futuro do nosso debate público e da liberdade de escolha depende da capacidade de todos – reguladores, partidos e sociedade civil – de exigir transparência, responsabilidade e pluralidade às plataformas digitais. O alerta está dado. O silêncio institucional não pode ser a resposta
observador