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25 de Abril, sempre!

25 de Abril, sempre!

Nunca na história do nosso país o significado de uma data foi tão falsificado como o do 25 de Abril. Nem o das alegadas cortes de Lamego, nem o da crise de 1393/5, nem o do ultimato inglês, nem o das comemorações camonianas. Só pouco a pouco é que o significado do 25 de Abril se depurou de manipulações e nos surge na sua expressão autêntica.

Já é tempo de fazer uma análise objectiva do que foi o 25 de Abril. É por isso que só agora a faço. O tema é sempre actual.

O 25 de Abril foi um pronunciamento militar de capitães, sucedendo a tantos outros na história portuguesa, que deu início a um processo de transição de uma ditadura autoritária para um regime democrático. Estes processos de transição têm sempre características próprias e por vezes muito distintas. O caso português, por exemplo, nada teve a ver com o espanhol.

Há sempre um período difícil que medeia entre a queda de um regime autoritário e a reunião das condições para a formação de um regime plenamente democrático baseado em eleições livres, mas enquanto que em Espanha existia um sucessor do regime autoritário que assegurou a transição para a democracia, nada disso se verificou no nosso país. Aqui o autoritarismo foi deposto e em Espanha transitou para a democracia; grande diferença. Entre nós o regime deposto deixou um total vazio de poder ou seja, nada que pudesse servir a transição. Por outro lado, os partidos políticos democráticos eram muito recentes e ainda sem legitimidade até o eleitorado decidir apoiá-los em eleições vindouras.

Verificou-se assim que perante a total desintegração do aparelho de estado, o poder ficou nas mãos dos militares pois que estes eram a única instância que podia então funcionar como depositário do poder político. Ora, a transferência do poder para grupos de militares, que logo viabilizaram governos provisórios por eles controlados, nada augura de bom para a transição democrática e só torna possível a substituição de uma ditadura por outra. Por pouco que assim não foi entre nós.

Os militares estavam divididos politicamente, como toda a gente sabe, mas a facção mais activa permitiu e fomentou o acesso ao poder político dos sectores mais radicais da oposição ao regime deposto, partido comunista à cabeça, servidos por governos provisórios sem qualquer legitimidade democrática, e fomentou a mobilização das massas populares que lhes eram favoráveis para a realização de acções revolucionárias, ditas espontâneas, mas na prática por eles orquestradas. Os governos provisórios não foram governos de gestão com o objectivo de preparar eleições constituintes mas sim instrumentos do poder político dos sectores mais radicais das forças armadas patrocinados pelo partido comunista, ampliando o seu poder muito para além do que seria necessário para assegurar um regime democrático. Com efeito, sempre com o apoio dos militares mais à esquerda, secundaram transformações revolucionárias profundas, procuraram atrasar o mais que lhes foi possível a realização de eleições constituintes e chegaram a impor restrições à elaboração da nova Constituição mediante o tristemente célebre «pacto MFA-partidos» e o sequestro dos parlamentares eleitos, que presenciei, atónito. Os governos provisórios foram na prática governos ditatoriais. O seu objectivo era consolidar a realização antes das eleições de «conquistas» económicas (nacionalizações, reforma agrária) e políticas (unicidade sindical, serviço «cívico», criação de órgãos revolucionários sem qualquer legitimidade democrática, etc…) que sabiam perfeitamente que não seriam possíveis depois das eleições. Chegaram ao ponto de, sempre secundados pelos militares e pelo partido comunista, pretender condicionar o próprio funcionamento da assembleia constituinte. Foi tudo feito para que a mesma assembleia constituinte fosse dissolvida tal como Lenine fez em 1918. Durante esse período a esquerda militar com o apoio do partido comunista prendeu atrabiliariamente cerca de duas mil pessoas sem culpa formada mediante mandados de captura emitidos em branco, espancou e torturou centenas e centenas de pessoas, saqueou patrimónios, ocupou propriedades e empresas, fez saneamentos selvagens, estragou a vida a milhares e milhares de pessoas e suas famílias, fez trinta por uma linha como consta de uma séria de relatórios publicados posteriormente. E calamos (alguns) perante os militares nisso mesmo intervenientes que ainda hoje estão vivos e se manifestam despudoradamente a favor das amplas liberdades e dos direitos humanos ameaçados pelo «fascismo» que está para chegar. A hipocrisia não tem limites.

Na verdade, logo a seguir ao 25 de Abril as facções políticas da extrema-esquerda com representação militar e sem ela quiseram cavalgar a história e logo se arvoraram a intérpretes autênticos e únicos dos «verdadeiros» valores de Abril desde a transição para o socialismo, às nacionalizações, à vedação da iniciativa privada, às conquistas irreversíveis dos trabalhadores, ao poder das comissões operárias, à repressão dos «fascistas», etc… O discurso continua até hoje mas cada vez mais em vão. As últimas eleições demonstraram bem que os portugueses já se não deixam ludibriar.

Se não fosse o 25 de Novembro a democracia política não vingaria, com todas as gravíssimas consequências imprevisíveis que tal acarretaria. O 25 de Novembro foi o verdadeiro ponto da partida da vida democrática no nosso país, a que se seguiu a realização de eleições legislativas verdadeiramente livres porque sem tutela militar e possibilitaram a formação de um governo dependente do parlamento. Ficou assim encerrado o conturbado período da transição para a democracia que, verdadeiramente, só terminou com a revisão constitucional de 1982 e o desaparecimento dessa aberração que era o Conselho da Revolução.

A diferença está em que hoje, remetidos os militares para os quartéis e desaparecida a União Soviética e seus acólitos, o esquerdismo radical aposta já não tanto no ódio aos reaccionários e ao patronato mas, em desespero de causa, na «inclusão» em nome da igualdade de género, dos direitos das minorias, da liberalização das drogas, dos direitos dos animais, etc… Tem algum eleitorado urbano-depressivo e marginal, tal como em vários países europeus. Querem-nos impor hoje o 25 de Abril na versão do BE e seus acólitos, como outrora o PC quis impor a sua versão estalinista.

Naquele período histórico o significado do 25 de Abril foi instável, confuso e ambíguo. O único projecto consistente era o do partido comunista e da facção militar que o apoiava; queria a única coisa que sempre quis e que nunca perdeu de vista: o poder político ditatorial. Aproveitou o desnorte da sociedade civil portuguesa que parecia nessa altura um manicómio em autogestão. Havia na altura um 25 de Abril para todos os gostos; uns queriam a liberdade política, outros uma ditadura partidária com apoio militar, outros uma sociedade igualitária e outros uma sociedade libertária, outros a total liberdade sexual, outros viver à custa dos senhorios, outros a abolição dos exames, outros a manutenção de privilégios, como os militares, outros a nudez, outros a liberalização das drogas, outros a vingança, outros os bens dos ricos, etc… Cada um utilizava a sua liberdade pessoal como arma de arremesso. Mas pouco a pouco as coisas foram sedimentando.

No período histórico conturbado que se seguiu ao 25 de Abril, o mais lúcido intérprete do seu significado foi Mário Soares. Percebeu logo o que o povo português colectivamente queria naquela altura, a saber, democracia política, descolonização e Europa. Não manipulou ninguém, não impôs modelos ideológicos definidos e resistiu às ameaças dos militares comunistas e do partido estalinista que os secundava. Soube interpretar a conjuntura histórica e fez frente à tentativa de ditadura comunista como no passado se opusera à de Salazar. Fez o que pôde, nem sempre sem inevitáveis consequências, mas rumou sempre na direcção certa. Devemos-lhe isso, e é muito.

Tudo isto pertence já ao passado. Mas é bom não esquecer.

O significado do 25 de Abril é hoje felizmente muito mais fácil de entender. Não está comprometido. É o que os portugueses quiserem que ele seja através do voto e da participação democrática nas instituições vigentes. Nada mais. Foi o 25 de Abril e só ele que nos trouxe a democracia política, os direitos fundamentais, a autonomia regional e local e as liberdades públicas e políticas que é como quem diz, as condições para que a nossa vontade possa ser esclarecida, válida e tenha voz. A par disto verificou-se uma silenciosa, mas verdadeira revolução social e nos costumes, do meu ponto de vista muito proveitosa, de que ainda hoje estamos a tirar consequências e a tentar entender.

As circunstâncias históricas hoje, 50 anos depois, são muito diferentes. Não acabámos de sair de uma ditadura reaccionária nem de a custo evitar outra comunista. Estamos numa fase em que as opções são muito mais abundantes e pacíficas. Já não vivemos na guerra civil ideológica que caracterizou a minha geração e a dos meus familiares, amigos e colegas, antes e depois do 25 de Abril. Os radicalismos passaram de moda porque o ensino e a cultura, nem sempre da melhor qualidade, é certo, estão muito mais vulgarizados. Já não existem axiomas ideológicos acabados e fixos, arvorados a catecismos, a que havia que aderir em bloco ou do mesmo modo rejeitar. A sociedade portuguesa nada tem a ver com a de há cinquenta anos; é muito mais aberta, inclusiva, igual e instruída. Passou por uma enorme transformação que ainda não acabou. Instruam-se com as serenas e certeiras análises de António Barreto.

É também ao 25 de Abril que devemos a possibilidade de fazer oscilar a vontade democrática. A vontade do povo não é permanente nem homogénea; oscila consoante as épocas e conjunturas. Não fica enquistada de uma vez para sempre numa concepção do mundo própria de uma dada geração nem fica prisioneira de uma ideologia rígida. A mudança faz parte da democracia. E é bom que assim seja. As diferenças entre as gerações que ainda presenciaram o Estado Novo e o pós-25 de Abril e as actuais são abissais. Só a democracia política permite a fácil adaptabilidade à evolução das situações. Mas a mudança é hoje dentro do regime democrático e não do próprio regime democrático. O autoritarismo de direita e comunismo não são hoje possíveis no nosso país.

25 de Abril, sempre! O que significa hoje isto? Democracia política, pluralismo e respeito pela vontade popular e individual. O 25 de Abril somos nós, portugueses e nas condições históricas em que vivemos porque hoje podemos ser assim. Será sempre aquilo que nós eleitores quisermos que ele seja. É esta a mensagem e não pode ser outra. Tudo quanto estiver para além disto é tentativa de manipulação. É insuportável presenciar as tentativas de apropriação do 25 de Abril que nos surgem de vários quadrantes porque, precisamente, corporizam aquilo que ele não chegou a ser nem nunca será, a acreditar nos sucessivos resultados eleitorais. Corporizam um pensamento único arvorado a redentor e que serve apenas propósitos divisionistas e excludentes. Esquecem que a sociedade portuguesa não é aquilo que eles pensam nem a que lhes foi ensinada nos poucos manuais que leram. Esquecem sobretudo o que se aprende com a prática ou seja, que o povo português mesmo quando vota à esquerda não é tão de esquerda como isso e quando vota à direita a regra é a mesma. O voto não é um indicativo tão seguro como se pensa e as surpresas aparecem.

As últimas comemorações do 25 de Abril tentaram, como sempre, vender-nos banha da cobra; mas os portugueses já não vão nisso.

observador

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