50 canções da pop portuguesa da primeira metade de 2025

Damos por nós a repetir o discurso, mas é a prova de que não é um fenómeno de um ou dois anos isolados: a música portuguesa (e feita em Portugal) está verdadeiramente de boa saúde, a atravessar um período de vitalidade invejável e com uma diversidade avassaladora.
Cantada em português, crioulo ou inglês — ou mesmo sem voz. Com todos os sotaques e mais alguns. Da crescente influência do hip hop, que tem contagiado a pop e o híbrido a que se convencionou chamar música urbana; aos dissidentes do rock; passando pelas novas abordagens ao fado, aos cantares tradicionais; e aos muitos cruzamentos entre todos estes universos.
Este é o retrato que traçamos quando olhamos com atenção para os últimos seis meses — de janeiro a junho de 2025 — e nos deparamos com um cenário rico que tanto é mainstream como independente, novato como veterano, tão fresco quanto clássico, com música de qualidade a apresentar-se de todas as cores, formas e feitios. Este é um possível mapa em forma de playlist do melhor que foi feito em Portugal na primeira metade do ano.
“20 . 05 . A self-conversation is too loud for an empty room”A celebrar 20 anos de carreira, Noiserv tem vindo a desvendar temas do seu novo álbum, 7305, previsto para outubro, que sucede a Uma Palavra Começada por N (2020). Neste que é o segundo de três singles (e um de dois temas em inglês), aborda a ligação que temos com as nossas falhas, refletindo sobre a importância da partilha e da amizade, para que não caiamos no vazio. Para erguer um coro coeso, e fazendo justamente uma apologia ao companheirismo, David Santos convocou para o refrão as vozes dos amigos e colaboradores Afonso Cabral (You Can’t Win, Charlie Brown), Ed Rocha e Catarina Salinas (Best Youth), Bia Maria, Rui Gaspar e Telmo Soares (First Breath After Coma), Selma Uamusse e André Tentugal (We Trust).
Tem sido um ano fértil para o rap feito por mulheres em Portugal e Tixa foi uma das artistas que se lançaram definitivamente nos últimos seis meses. Tixa, prazer é o EP de apresentação que editou em maio, onde se inclui o single Acordar, produzido pelo talentoso Chaylan. Com uma grande preocupação com a estética visual, Tixa explora um filão até agora pouco testado no país, uma abordagem girly ao bubblegum trap — canções orelhudas, sobretudo alegres, cintilantes e descontraídas, uma espécie de barbiecore transportado para o universo do trap.
No disco mais maduro e até interior que fez até à data, embora Reservado se mantenha festivo, Deejay Telio apresentou como single uma canção contagiante que o une ao “quarteto fantástico” dos Wet Bed Gang. Álcool & Prazer é embalo para o corpo, luxúria para a mente, açúcar para o sangue — e um bom cartão de visita para um álbum recheado de preciosidades.
A primeira metade de 2025 trouxe também um novo álbum d’O Gajo, uma Trovoada que se inicia com um Baile de Búfalos — as muitas cordas dedilhadas dão vida a uma manada enérgica, em movimento, que incita precisamente à dança e à celebração das raízes. Música instrumental de cariz folclórico, só embelezada por coros comunitários, que vem demonstrar a riqueza e diversidade da música feita em Portugal.
Um ano depois do disco Kalunga, os Throes + The Shine — banda que junta os produtores e instrumentistas portugueses Igor Domingues e Marco Castro ao kudurista angolano Mob Dedaldino — apresentaram neste início de ano o EP Na Via. Uma das faixas é esta Baza Lá que, tal como o restante projeto, pode não trazer propriamente grandes novidades revolucionárias, mas acrescenta a um repertório rico e em expansão que respira ginga e movimento. Experimente ouvir, mas não nos responsabilizamos se não conseguir ficar sentado, no seu “canto, quieto”.
Reduzidos a NGA e Don G, os Força Suprema lançaram este ano Baseado Em Factos Reais, um álbum maduro com um rap graúdo que em termos sónicos conseguiu o difícil equilíbrio de soar simultaneamente a clássico e a refrescante. Em Bicho do Mato, como que numa representação das suas vidas, sentam Angola e Portugal à mesma mesa, ao convocarem a voz de Paulo Flores e a guitarra de Mike11. Nas rimas, constantemente intercaladas pelos dois rappers — algo que só seria possível fazer com tamanha experiência e cumplicidade — oscilam entre relatos auto-biográficos e um registo de storytelling.
“Calços da Maia”Apadrinhado e produzido por B Fachada, Romeu Bairos é Romê das Fürnas, como se apresenta no seu álbum de estreia, onde faz reinterpretações contemporâneas de cantares tradicionais dos Açores e cria outros novos, contribuindo para um rico cancioneiro regional que se pretende cada vez mais alargado e a extravasar as fronteiras do arquipélago. Depois de ter participado no Festival da Canção a convite dos Karetus e de ter brilhado na série da Netflix Rabo de Peixe, Romeu Bairos deu agora o passo mais sério na sua carreira e vale a pena descobrir canções como, entre outras, Calços da Maia.
Num disco urgente e politizado, que tanto reflete o “agora”, os Linda Martini abriram o ano de Passa-Montanhas a cobrir o rosto. A banda recuperou uma história real e simbólica da sua juventude na Linha de Sintra para construir o imaginário de um álbum que se apresenta contra as divisões, apontando o dedo à violência policial e questionando os multimilionários no poder, como um “coração rápido” contra o assombro dos tempos.
“Dá-me A Tua Mão”Próxima paragem: neo-fado. Nas travessias entre Coimbra e Lisboa, Beatriz Rosário construiu um álbum que simboliza essa viagem tantas vezes feita — precisamente intitulado ALFA, comboio que liga as duas cidades. A dualidade percorre o disco ao longo das suas 14 faixas: Beatriz Rosário tem raízes em Coimbra e no fado, mas mais do que nunca quis explorar estéticas urbanas e pop para fundir a tradição com uma modernidade mais eletrónica. O fado de Coimbra — cantado por homens, umbilicalmente ligado ao meio académico de que a artista fez parte — funde-se com as produções contemporâneas de muitos artistas sediados em Lisboa. Um dos temas do disco desvendados em 2025 é esta canção de amor, Dá-me A Tua Mão.
“Danúbio”Cinco anos passados desde Madrepérola — e de muitos projetos paralelos e trabalhos com outros músicos pelo meio — Capicua voltou aos discos em nome próprio com Um Gelado Antes do Fim do Mundo. Com uniforme de combate, a rapper apresenta-se de botas enterradas na lama do momento, na linha da frente das muitas batalhas que se travam, enfrentando com os seus versos e mensagens a emergência da extrema-direita, a crise das alterações climáticas ou a intolerância crescente. Danúbio, com um refrão cantado por Gisela João, aborda precisamente o crescimento do autoritarismo e populismo político. “Não há quem não sinta um cheiro a anos 30”, ouvimos as palavras da rapper, que desta vez procurou um disco musicalmente mais fluido, que cruza o seu rap, a sua voz cantarolada e a palavra dita sobre instrumentais menos convencionais.
Apareceu nos últimos anos com um som original mas desconcertante, ao cantar sobre batidas saturadas, numa desordem musical eletrónica que evidenciava um potencial emergente. Em 2025, após ter assinado com a Sony e de ter sido confirmado no cartaz do próximo NOS Alive, Herlander apresenta-se com a casa arrumada, com uma música mais límpida e aprumada, para se mostrar vulnerável nesta doce e refrescante deixa-me em paz. A prova de que as margens podem criar produtos pop autênticos, esperemos que seja um mero aperitivo para tudo aquilo que se possa seguir.
“Deslocado”Foram um dos fenómenos deste primeiro semestre de 2025 ao vencerem o Festival da Canção com a imensamente popular Deslocado. Conseguiram chegar à final da Eurovisão, mas não passaram do 21.º lugar. Ainda assim, o país ficou a conhecer melhor a música dos NAPA, conjunto madeirense com um par de discos no currículo, com uma identidade que cruza o rock contemporâneo, os clássicos pop rock e até a sensibilidade e alma poética dos grandes cantautores brasileiros. Seja o que for que lhes esteja reservado, o ano de 2025 já é determinante para a história dos NAPA e para a nossa relação com a sua música.
“Disisti”Cabo-verdiana radicada em Paris, mas focada a trabalhar no mercado português após ter assinado com a Sony local, Rislene tem dado nas vistas ao colaborar com Richie Campbell ou DJ Dadda, além de estar a criar o seu álbum de estreia com a mais requisitada dupla de produtores do momento, Ariel e Migz, cuja história o Observador também contou este ano. Disisti é, até ver, o seu maior êxito. Cantado entre o crioulo e o francês, com uma voz poderosa — de uma artista jovem que parece carregar uma alma vivida, uma experiência sofrida — com uma produção contemporânea assinada por Charlie Beats, talvez seria isto a que Cesária Évora soaria se tivesse nascido no século XXI.
Referência maior do hip hop nacional, sobretudo a norte, o pentágono dos Dealema regressou este ano ao ativo, com a promessa de um novo álbum no horizonte e um concerto de celebração dos 30 anos de carreira já marcado para o Coliseu do Porto a 20 de fevereiro de 2026. O coletivo composto por Mundo Segundo, Fuse, Maze, Expeão e DJ Guze, que não lança um disco há uma dúzia de anos, já desvendou dois singles — o primeiro foi Doutros Tempos. Um tema à imagem dos Dealema, com versos elevados a contribuir para um imaginário comum, sobre um beat dramático e orquestral, que não traz novidades mas que cumpre o propósito dealemático — afinal, são Doutros Tempos.
“É Proibido”A celebrar 40 anos de carreira e 50 anos da revolução do 25 de Abril, os Mão Morta demonstraram toda a vitalidade e pertinência que preservam com Viva La Muerte, o disco que apresentaram no início deste ano. Trata-se de um álbum urgente, que confronta o fascismo e os populismos políticos emergentes, com a qualidade musical e experiência que só um grupo com esta história e longevidade poderia conjurar. Em É Proibido, os versos de Adolfo Luxúria Canibal listam as muitas imposições que os pensamentos autoritários e intolerantes desejam estabelecer.
Alegria Terminal é o mais recente capítulo na história de Vaiapraia, um disco que prolonga o legado muito próprio deste artista (entretanto tornado coletivo) com espírito do it yourself, um rock independente de calibre pop, com poemas simples mas eficazes, como se prova em Eu Quero Eu Vou, um dos mais escutados temas do novo álbum. Se possível, recomenda-se a audição ao vivo, onde as canções de Vaiapraia ganham uma dimensão catártica, com performances intensas e vibrantes.
“Fauno”Depois de se terem apresentado em 2023 com o EP homónimo, os Marquise editaram este ano pela Saliva Diva o seu álbum de estreia, Ela Caiu. Uma música que refresca o universo do rock feito em português, de versos poéticos abstratos envoltos numa sensibilidade pop, que vai beber ao grunge ou ao gótico, com uma desconstrução sónica marcada por um pára-arranca musical que tão bem se reflete em Fauno.
É a faixa-título do mais recente álbum de A garota não, o primeiro desde que a sua carreira foi catapultada com o aclamado 2 de Abril (2022). Ferry Gold é um disco que vai beber a textos e poemas terceiros, seja de escritores ou de músicos; mas a canção homónima centra-se num assunto muito específico (que está na ordem do dia e que é querido a Cátia Oliveira, natural de Setúbal), os barcos a preços de luxo que transportam os passageiros da sua cidade para a península de Tróia. Como é seu apanágio, A garota não usa a música para fazer crítica social e política, neste caso à exploração privada dos recursos que deveriam ser de todos, como a água, as praias e, até, os transportes públicos. Em entrevista ao Observador, a cantautora escrutinou o novo álbum ao detalhe.
“festa bem louca”A voz sussurrada de pikika condiz com a sua imagem misteriosa, de rosto oculto, mas também com as suas canções açucaradas. É um R&B moderno que puxa pelas emoções, pela libido ou pelos ambientes mais noturnos, como esta “festa bem louca”, com um reggaeton lento — munido de cordas de guitarra — a servir de base. Um amor intenso, um vaivém apaixonado, um descontrolo imprudente, que só pode gerar grandes histórias e melhores canções.
“Flor Trovão”Um par de anos após o aclamado álbum de estreia Ressaca Bailada, os Expresso Transatlântico regressaram este ano com nova música, Flor Trovão, o primeiro avanço do segundo disco. Desta vez, o trio composto por Sebastião Varela (guitarra elétrica), Gaspar Varela (guitarra portuguesa) e Rafael Matos (bateria) contou com a ajuda de Tiago Martins (baixo), Zé Cruz (teclados) e Iúri Oliveira (percussões), além de ter como homem do leme na produção The Legendary Tigerman, uma função que irá assumir em todo o novo trabalho da banda. Música instrumental, portuguesa concerteza, que nos faz viajar sem sairmos do mesmo lugar.
Numa metamorfose artística que decorreu ao longo dos últimos anos, Blaya escolheu abraçar o seu Lado B e apresentar um disco mais ao seu gosto pessoal, uma pop mais autoral com os temas que realmente desejava fazer, longe das pressões de editoras e produtores. Uma das faixas mais badaladas do álbum é Foste Tu, uma canção de amor soulful — concebida a meias com o seu companheiro, João Barradas — em que Blaya explora as diferentes nuances da sua voz sobre um instrumental musicalmente trabalhado, recheado de detalhes.
“Hipnotizado”20 anos volvidos desde o início de tudo, Os Pontos Negros quebram o hiato desde Soba Lobi (2013) e regressam ao ativo com o single Hipnotizado, editado pela Flor Caveira, que mostra uma banda em boa forma e a manter a sua identidade, com uma canção bem-disposta com sabor a verão. O grupo natural de Queluz também vai celebrar as suas duas décadas de vida — e o legado que deixaram no rock e na música alternativa portuguesa — com concertos no Maus Hábitos, no Porto, a 7 de novembro; e no Bleza, em Lisboa, a 20 de novembro.
“Idukasan i Saud”Ao terceiro álbum, Griots i Riots, Scúru Fitchádu mantém a fórmula que o tornou num artista inventivo ao ponto de ser incomparável — os ritmos e melodias do funaná envoltos no noise abrasivo do hardcore punk, por vezes com ambiências mais eletrónicas e uma atitude que vem do hip hop, com letras em crioulo que colocam o dedo na ferida e fazem uma afiada crítica social e política. Idukasan i Saud é um rebuliço inquieto que exige movimento do corpo e transformações sociais, uma tensão musical que apela à resistência e que evoca a Liberdade de Sérgio Godinho.
“IF I GAVE U MY DREAM”Guitarrista, produtora e cantora portuense, Raquel Martins deu que falar nos últimos anos à medida que construiu uma carreira em Londres, a capital britânica, onde integrou as formações ao vivo de artistas como Biig Piig, Poppy Ajudha, Rina Sawayama, Mabel ou Amaarae. Após um par de EPs em nome próprio, tem estado a desvendar singles do seu álbum de estreia, LONDON, WHEN ARE YOU GONNA FEEL LIKE HOME?, com lançamento marcado para 12 de setembro. Como o título sugere, trata-se de um disco em que a artista reflete sobre a sensação de não pertencer a lugar algum: nem à metrópole europeia onde vive, nem à cidade portuguesa onde cresceu. Um dos temas já desvendados é IF I GAVE U MY DREAM, uma amostra da sua abordagem contemporânea ao R&B e soul, muito ligada a uma indie pop musicalmente elaborada.
“Insular”Juntos, o rapper/cantor Van Zee e o produtor/guitarrista FrankieOnTheGuitar teceram uma Alta Costura a partir de referências da música portuguesa, resgatando samples que vão de Tiago Bettencourt a José Pinhal, passando por Zeca Afonso ou pel’Os Azeitonas. São tributos que piscam o olho ao legado da música nacional mas que servem como base para esta criação contemporânea, entre instrumentais modernos e rimas que mesclam o português e o inglês para abordar relações ou outros assuntos da vida do artista madeirense. Uma das melhores faixas é precisamente Insular, que de alguma forma homenageia o arquipélago ao recuperar o hino Porto Santo, de Max.
“LABIRINTO”Como pontapé de partida para o futuro, deixando para trás o seu álbum de estreia, o formidável Miguela (2024), Silly presenteou-nos com um novo single, LABIRINTO, que nos leva por caminhos distintos (e inesperados) em relação ao que estávamos habituados na sua obra. Afinal, é mesmo disso que são feitos os labirintos, além de não sabermos o que iremos encontrar no final. Mesmo que liricamente se mantenha introspetiva, o pulsar é mais acelerado, dançável e ouvimos inclusive laivos de UK garage numa faixa igualmente produzida por aquele que tem sido o seu braço direito na composição, Fred Pinto Ferreira.
“Lento”O universo musical da batida — música inspirada no kuduro angolano e na eletrónica do mundo anglo-saxónico, com várias outras influências pelo meio, criada nas comunidades afrodescendentes das periferias de Lisboa — tem sido um corpo vivo ao longo dos anos, uma palete a ganhar cores a cada temporada que passa, com o aparecimento de novas gerações de artistas, também à medida que os fenómenos de migrações baralham ainda mais as referências. Neste movimento em constante expansão, Vanyfox tem sido um dos mais inventivos e talentosos produtores e DJs a dar cartas, trabalhando com o coletivo e editora Moonshine, sediado no Canadá. Lançou recentemente o EP Melodias e Choros, que completa uma trilogia de edições, e é lá que podemos encontrar Lento — uma balada com a voz e palavras de Ana Moura, de nuances kizomba, que demonstra o quão longe chegou a batida e o quão sofisticada se tornou, ainda que não rompa com a crueza e agitação que conseguimos identificar noutras das faixas do disco.
“Mãe d’Melodia”Numa conexão entre Portugal e Cabo Verde, os Acácia Maior — dupla de Luís Firmino e Henrique Silva, que têm dado vida a um muito elogiado projeto, enraizado entre os dois países — juntaram-se ao produtor cabo-verdiano Berlok e à cantora portuguesa Cristina Clara para uma canção quente que evoca o Carnaval do Mindelo, o amor materno e a energia feminina. É apenas o segundo lançamento dos Acácia Maior desde o álbum Cimbron Celeste (2023).
“Mais”Uma das maiores estrelas pop dos últimos anos em Portugal, Bárbara Bandeira tem vindo a fazer um crossover, aproximando-se da música urbana e das influências hip hop, conquistando um público mais maduro. Esta nova fase materializou-se em algo palpável este ano, quando lançou o primeiro ato de Lusa, projeto composto por quatro EPs que irá explorar diferentes referências (do afro ao fado, passando pelo trap) e juntar a artista a convidados de renome, reforçando sobretudo as pontes com o Brasil, uma vez que Bandeira é filha de mãe brasileira. Mais, uma das canções deste primeiro ato, aborda uma relação complexa (des)feita de altos e baixos, paixões e frustrações, com a caneta de Carolina Deslandes, da brasileira Jenni Mosello e o toque de Midas dos produtores Ariel e Migz.
“manada”Tem sido um ano altamente prolífico para Carolina Viana, que na música se apresenta como MALVA. Além de ter lançado o disco santos da minha mente, na dupla redoma (que forma com Joana Rodrigues), mais ligada ao universo do trip hop e do hip hop; e de integrar o coletivo AVALANCHE, que tem estado particularmente ativo; ainda apresentou o seu segundo disco em nome próprio, poros, onde se inclui esta manada. Uma pop alternativa, poética e algo etérea, que a afirma como uma cantautora talentosa que merece a nossa atenção.
“Manifesto 2”Percussionista fulcral da música portuguesa e lusófona — já tocou ou gravou com meio mundo, de Dino D’Santiago a Sara Tavares, de Branko a Aline Frazão, de Paulo de Carvalho a Rui Veloso, de Lura a Selma Uamusse — Iúri Oliveira estreou-se este ano com um disco em nome próprio. Manifesto é uma exploração da arte da percussão, dos múltiplos instrumentos e ferramentas desta área que podem dar azo a composições, da experimentação de tudo aquilo que não pôde fazer enquanto trabalhava com outros. Uma ode à percussão por um dos instrumentistas incontornáveis do género.
“milésimo de segundo”Depois de se aproximar do universo dos bailaricos e das marchas populares em Estava no Abismo Mas Dei Um Passo em Frente, disco que lhe deu um protagonismo inédito (muito graças ao single Preço Certo), Pedro Mafama parece agora virar-se para uma herança árabe e do norte de África. Perito a ressignificar o imaginário cultural português, o músico esteve na Argélia, onde gravou um par de canções com artistas locais, e encontra-se a preparar o terceiro álbum. Não sabemos se estas incursões foram um impulso criativo momentâneo ou se fazem parte de um ponto de viragem maior, mas, até a verdade se desvendar, ficamos a ouvir esta milésimo de segundo com a portentosa voz de Cheb Nassim.
“Mornacola”Dois anos após Popular Jaguar, Tó Trips regressou neste primeiro semestre de 2025 com um novo disco, assumindo-se Dissidente, em parceria com os The Fake Latinos. Entre as 16 canções que compõem este novo trabalho deparamo-nos com esta Mornacola, inconfundivelmente uma criação das suas mãos e da sua guitarra, num disco que navega pelas águas da música latina (mas não só), sem nunca tirar um pé de Lisboa, a cidade que sempre serviu de inspiração para a sua obra.
“Palavras”Tornou-se conhecido como um dos cinco membros dos GROGNation e, embora já tivesse um currículo a solo, com o fim do grupo apostou todas as fichas num álbum onde ousou sair da zona de conforto e arriscou criativamente — explorando como nunca a sua voz. Ainda que uma boa parte de O Último Malmequer seja sobre desencontros e frustrações amorosas, em Palavras canta sobre a conturbada situação política e social do seu país de origem, Moçambique, na sequência das centenas de mortos e milhares de feridos que resultaram dos confrontos entre polícia e manifestantes após as eleições de 2024. “Nós só mudámos de colono e temos que vencer esse novo colono”, ouve-se no trecho final da faixa, no relato em primeira mão de um familiar.
“PARA SEMPRE”Desde que no ano passado lançou o EP IMPERFEITO V2, Agir tem vindo a reposicionar-se no vasto cenário da música urbana portuguesa — da qual tem sido sempre uma figura vital, ao longo de duas décadas de carreira —, apresentando-se de maneira refrescante. Este ano seguiram-se mais algumas faixas e colaborações importantes, onde se inclui esta PARA SEMPRE com o enigmático SleepyThePrince. O luso-angolano tem sido um valor seguro da nova geração e aqui une esforços com um veterano que se tem conseguido reinventar: o resultado é uma canção trap e R&B, de ambições pop, que puxa pelas valências de ambos.
“Peacemaker”O III álbum de Memória de Peixe aborda os recomeços e é precisamente isso que também representa. Ao projeto criado pelo guitarrista e produtor Miguel Nicolau juntaram-se o baixista Filipe Louro e o baterista Pedro Melo Alves (também responsável por componentes eletrónicas) para prolongar um diálogo entre os universos musicais do jazz, rock e eletrónica. Música elaborada e exploratória sem se tornar demasiado exigente, que convida a imaginar mundos melhores, que busca a reconciliação interna e que dá as boas-vindas a realidades paralelas ou aos mistérios do desconhecido. Peacemaker é uma das malhas que nos transportam nesta viagem rica e densa pelo cosmos dos Memória de Peixe.
“Pensar em Mim”Dois anos depois de ter lançado o par de discos CALMA e CAOS, Carolina Deslandes voltou ao formato de longa-duração com Chorar No Club. O título é sugestivo: canções pop mais eletrónicas do que a média, versos que voltam a provar a sua excelência na escrita e que carregam diferentes estados de espírito. Com 24 temas, a artista sugeriu que cada um deles fosse escutado a uma hora específica do dia. Volte então às três da manhã para se deliciar com Pensar em Mim, canção empoderadora de farpas na língua, onde a emoção e a pista coexistem.
“PLASTER ME”Entre o R&B contemporâneo, a pop alternativa e o rap, num registo autoral e exploratório, Extrazen tem construído um trajeto muito seu ao longo dos últimos anos. Na primeira metade de 2025, lançou o disco WHAT TO DO WITH YOUR HANDS, que captou a raramente merecida atenção da Sony britânica, e onde se inclui esta PLASTER ME. É com a língua de Shakespeare que o artista natural de Santo Tirso constrói o seu imaginário, envolto em texturas eletrónicas, vozes magnéticas e ambientes que frequentemente nos transportam para o clube.
“Rua do Canto”Stereossauro e DJ Ride
No ano em que se assinala o centenário de Carlos Paredes, um dos músicos que mais têm celebrado e dado novas vidas à sua obra volta a fazê-lo com um EP conceptual de homenagem. Quatro Paredes é um disco — com um quarteto de faixas, naturalmente — que junta os velhos amigos Stereossauro e DJ Ride, astros da produção e do scratch, que conjugam as cordas do mestre de Coimbra com beats hip hop e eletrónicos que só reforçam a magnificência da guitarra portuguesa e do reportório paredense.
“Senhora d’Azenha”Com um segundo álbum previsto para o final do ano, os Bandua — dupla de Bernardo Addario (também conhecido como Tempura the Purple Boy) e Edgar Valente — levantaram o véu ao novo trabalho com a sua versão de Senhora d’Azenha. Canção popular da Beira Baixa, de onde são oriundos, foi-lhes transmitida pela cantadeira Idalina Gameiro, de Penha Garcia. A interpretação deste duo que tem cruzado o folclore beirão com elementos eletrónicos vale tanto pela energia contemplativa e ambiental como pela profundidade vocal que se descobre a meio da escuta.
“Tá Grave”A portugalidade (seja lá como a definirmos) tem vindo a inundar a música pop e urbana nos últimos anos — é, seguramente, uma das maiores tendências da última década na música nacional. Entre híbridos fadistas ou ritmos minhotos cruzados, há um artista que encontrou desde o início o seu filão e que, mais ou menos inspirado, o tem sabido explorar. Mike11 produz e canta R&B, mas o seu maior instrumento é a guitarra portuguesa. Exímio tocador de cordas e trovador romântico, encontrou nesta mistura o ADN da sua arte, que prolonga com o álbum editado este ano, Amor Maestro, onde se pode encontrar esta Tá Grave, derradeira faixa do disco.
“Tão Perto”Autor de canções poéticas e íntimas, de uma pop autêntica de melodias sublimes, Valter Lobo lançou neste primeiro semestre o seu novo álbum, Melancólico Dançante. Uma das pérolas desse disco é Tão Perto, tema que abraça a incerteza em prol de um amor imprescindível, porventura inevitável — e que demonstra bem as capacidades do músico no ofício da escrita e da composição.
“The Wandering”Foi uma bossa nova fantasmagórica que uniu o canadiano Patrick Watson — cantor e compositor que cruza os universos pop, indie rock e da música clássica, num registo exploratório que se mantém acessível — à portuguesa MARO, radicada no Brasil, um nome cada vez mais requisitado no panorama internacional. O dueto fará parte do próximo disco de Watson, Uh Oh, que será lançado a 26 de setembro.
“TROUBLE OF THE WORLD”De raízes assentes nos cânones do hip hop e com versos que usam o inglês como língua universal, Libra é outra das artistas que têm contribuído para um 2025 particularmente prolífico no que toca a rap feito por mulheres em Portugal. Lançou este ano o seu disco de estreia, EVERYONE’S FIRST BREATH — um registo com ambiências R&B que se posiciona como um statement de resistência feminista. Tal como nesta TROUBLE OF THE WORLD, explora questões de género, identidade, trauma ou vulnerabilidade através de uma entrega crua e de uma sonoridade íntima.
“tua falta”Num mercado saturado e com muitas investidas genéricas, são cada vez mais bem-vindas as lufadas de ar fresco como aquela que ed representa. Entrou no meio artístico como um dos braços-direitos do fantabulástico Chico da Tina, mas na primeira metade deste ano assinou com a Atlantic Records (histórico selo recém-chegado a Portugal) para apostar definitivamente na sua música. “tua falta” é uma balada refrescante que mistura o cantar do fado, o flow do rap e uma roupagem moderna de influências hip hop. A participação de Lhast só adorna um pacote que, já de si, se afigurava bastante completo.
“TUDO CERTO”Os Zanibar Aliens têm-se revelado como uma fonte rica em matéria-prima, ao ser a banda que acabaria por dar ao mundo as músicas dos irmãos luso-suecos Filipe e Carl Karlsson, mas também as canções de Velhote do Carmo e Martim Seabra. O quinto elemento é Kyle Quest, alter-ego de Diogo Braga, que este ano lançou um EP com a sua abordagem ao R&B, CICATRIZES. Ao contrário da grande maioria daquilo que se hoje ouve, é um R&B que parte mais da pop e menos do rap — não sendo um diamante nem propondo uma revolução, TUDO CERTO é uma das canções que o mantêm no nosso radar.
“UH!AYAYA”Inseto raro de outras geografias, esta vespa asiática (que é como se lê VSP AST) trouxe para Portugal um registo que se tem vindo a tornar popular na América e que cruza as sonoridades contemporâneas do trap com elementos pop punk ou indie rock que fazem lembrar o final dos anos 90 e o início dos 2000. UH!AYAYA é um dos temas do seu disco de estreia, PUTOS FIXES NÃO DORMEM, uma canção de calibre pop que mostra as valências (e o potencial) deste voo picado.
“Último Beijo”Como nos contou numa das raras entrevistas que deu sobre o álbum Entre Nós, Bispo escreveu um disco que serve como uma porta para a sua intimidade. Canções vulneráveis e introspetivas que falam sobre perda, (des)amor e incertezas relacionais, mas que também procuram luz e esperança. A nostálgica Último Beijo, com uma cama de saxofones de Samsacion — num instrumental produzido pelos companheiros Fumaxa e Daus com sabor a clássico — é uma das melhores faixas do projeto. Reminiscências da paixão.
“WINNER”As histórias de ProfJam e Lon3r Johny estão entrelaçadas há vários anos. Foi o primeiro, mais experiente, quem deu a mão ao segundo para catapultar a sua carreira na saudosa editora Think Music. Há uma mão cheia de anos, já tinham partilhado o microfone em DAMN/SKY, mas desta vez uniram-se para um EP conjunto que tem como ideia conceptual uma cidade que marcou a vida de ambos, Londres, a que prestam tributo com o LONDON LP. Neste single, refletem sobre as vitórias conquistadas à boa maneira dos dois, trocando barras com flows contagiantes sobre um instrumental trap musculado.
“WORLDWIDE”A longa jornada ascendente de Mizzy Miles, que tem vindo a solidificar uma carreira enquanto um dos nomes mais relevantes do momento no hip hop e na música urbana em Portugal, culminou com o lançamento em janeiro do seu álbum de estreia, FIM DO NADA. Um dos principais singles, que até teve direito a um videoclipe realizado pelo italiano Pietro Biz Biasia, foi esta canção explosiva, com uns inspirados Wet Bed Gang, que reflete justamente essa trajetória das ruas para o topo. Mizzy Miles tem vindo a fazer história, consolidando o seu estatuto enquanto produtor-estrela — uma figura até aqui inexistente no circuito nacional — e as suas ambições são, declaradamente, cada vez mais WORLDWIDE.
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