Burnout da beleza: 5 sinais de que a preocupação estética virou doença

O espelho, que um dia refletiu autoestima e prazer, muitas vezes devolve cansaço. O brilho nos olhos ao abrir um novo batom se transforma em ansiedade. A rotina de autocuidado vira obrigação. E o que antes era vaidade vira peso — emocional, financeiro ou social. Essas são algumas características do burnout da beleza, um esgotamento emocional profundo causado pela busca incessante de estar dentro de um padrão estético mutante e inatingível.
De maquiadoras a cirurgiões, de psicólogos a psicanalistas, especialistas ouvidos pelo Metrópoles identificam um mal-estar crescente, muitas vezes silencioso, que tem afetado principalmente mulheres. A pressão estética deixou de ser apenas uma cobrança externa e passou a ocupar espaço interno na mente, no humor, nos desejos e no bolso.
“Você compra o gloss, mas quer a vida dela”Vanessa Rozan é maquiadora, comunicadora e influenciadora. Quando fala sobre beleza, não o faz a partir do deslumbramento com lançamentos — e sim da exaustão com eles.
“Burnout da beleza é esse cansaço com tantas trends, tantos produtos, tanta informação. Não é só sobre estar bonita, é sobre ter que estar o tempo inteiro dentro de um padrão. Isso cansa. E cansa muito”, diz.
Ela conta que mesmo recebendo uma enorme variedade de produtos de beleza, mal dá conta de usá-los. “Às vezes, a gente compra na emoção do momento. Mas, depois, aquilo vai parar na gaveta. Tem produto vencendo sem ser usado. Isso não é só consumo: é culpa, é frustração.”
Vanessa defende um necessário básico e inteligente. “Com 15 produtos bem escolhidos, você se vira por 12, 24 meses. A gente não precisa de tanto.” Para ela, a grande virada está em identificar que o problema é coletivo. “O mais difícil é quando a gente sente a angústia e não sabe de onde vem. Quando descobre que é o sistema que te faz sentir assim, fica mais fácil se proteger.”
Na visão da expert, as redes sociais são combustível para esse cansaço generalizado com a aparência. “A gente acha que está só vendo um vídeo engraçado, mas está absorvendo padrões de beleza filtrados, jovens, brancos, com rostos sem poros. Você começa a achar que aquilo é o certo. E aí você quer não só o gloss, você quer ser aquela pessoa.”

Allan Bernacchi, cirurgião plástico e especialista da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, confirma: o número de pacientes que chegam aos consultórios por influência de redes sociais aumentou. E com elas, o nível de insatisfação também.
Segundo o expert, muitas pacientes chegam dizendo que querem o que a influencer fez, o que a amiga fez. “Elas nem sabem exatamente o que querem — só sabem que não estão satisfeitas.” E essa insatisfação é infinita. Na corrida pela juventude eterna, a pessoa em questão sempre se sente “perdendo”.
Entre os procedimentos mais pedidos estão preenchedores, toxina botulínica e, em crescimento, os bioestimuladores de colágeno. Para o médico, a questão vai além da técnica. “A pessoa está tentando preencher um vazio que não é físico, é emocional.”
Ele relata casos em que recusou procedimentos por perceber motivações frágeis. “Já disse não várias vezes. Porque se eu fizer, estou prejudicando a paciente. Se a pessoa não está bem emocionalmente, a cirurgia não vai resolver.”

Para a psicóloga e neurocientista Leninha Wagner, o beauty burnout não é reconhecido oficialmente pelos manuais psiquiátricos, no entanto, clinicamente, já é amplamente identificado.
“É um esgotamento emocional causado pela obrigação de se manter bonita o tempo todo. É silencioso, se instala devagar. Quando a mulher percebe, está exausta.”
Ela cita sintomas recorrentes: falta de ânimo para se arrumar, cansaço social, crises de autoestima, irritabilidade e até isolamento. “A mulher sente que nunca está boa o suficiente. A estética vira prisão.”
Segundo Leninha, a cultura da imagem perfeita afeta o funcionamento do cérebro. “As redes sociais ativam a dopamina: você posta, recebe curtidas, se sente bem. Só que isso dura pouco. A frustração vem logo depois. E o ciclo recomeça.”
No atendimento em consultório, esse esgotamento, ela recorda, aparece em mulheres que não conseguem se olhar sem maquiagem, que têm vergonha do próprio rosto natural, que evitam espelhos, ou que se submetem a intervenções sucessivas, sem com isso se sentirem melhor. Em vez de satisfação, o que ocorre, por vezes, é um aumento da dor emocional.
“O que dói não está na pele”O psicanalista Artur Costa aponta: o burnout da beleza é um sintoma do nosso tempo. Um tempo em que o corpo virou projeto. “É um tipo de esgotamento emocional causado pela pressão de atender a padrões irreais. A pessoa se sente aprisionada: cuida da aparência não por prazer, mas porque sente que precisa.”
Quais os sintomas do burnout da beleza?- Baixa autoestima;
- Autocrítica severa;
- Compulsão estética;
- Ansiedade ao se olhar no espelho;
- Vergonha de sair de casa sem filtro.
Artur explica que, muitas vezes, essa busca pela imagem ideal encobre sofrimentos mais profundos: carências afetivas, medo de rejeição, histórico de críticas na infância e insegurança. “É uma tentativa de corrigir o corpo quando, na verdade, o que dói é a alma.”
O acolhimento, segundo ele, precisa ser feito com escuta atenta. “A psicanálise ajuda o sujeito a entender o desejo por trás da imagem. O que você está tentando consertar? Quem você está tentando ser?”
E conclui: “A pessoa precisa recuperar a liberdade de ser quem é — e não quem o Instagram exige que ela seja.”








Quando o assunto é beleza, limpeza e hidratação do rosto são os primeiros passos
Getty Images
O protetor solar é o melhor amigo da pele, segundo dermatologistas
Getty Images
A região dos olhos exige atenção redobrada
Getty Images
Teste do skincare: descubra quão viciado você é em cuidados com a pele
Getty Images
Autocuidado envolve diferentes áreas e é benéfico. Pressão por inserí-lo na rotina, entretanto, pode ser gatilho para problemas emocionais
Getty Images
Diante de uma quantidade enorme de produtos nas prateleiras, apenas uma dermatologista é capaz de identificar as necessidades da sua cútis
Getty Images
Atente-se sempre às recomendações de aplicação do produto. Adequação garante eficácia dos dermocosméticos
Getty ImagesO burnout da beleza não é sobre maquiagem ou procedimentos estéticos. Não é sobre vaidade. É sobre uma sociedade que cobra, compara, mede, julga — e esgota. E sobre mulheres que, conscientes ou não, estão pagando esse preço todos os dias.
Como lembra Vanessa Rozan, “quando a gente entende que isso é estrutural, e não um problema só nosso, dá pra respirar melhor. Dá pra escolher. Dá até pra se proteger.”
Se há algo a se resgatar nessa história, talvez seja isso: a coragem de se ver como se é sem filtro, sem performance, com amor e com descanso.
metropoles