40 anos depois

Foi no Mini Metro dos meus pais, num passeio a Sintra, que ouvi a notícia da assinatura do Tratado de Adesão à CEE, nos Jerónimos. 12 de Junho de 1985. Ao volante, o meu pai esclareceu-me que a assinatura fora naquele dia, mas que só entrávamos a 1 de Janeiro de 1986, o dia do seu aniversário. No seu livro sobre a década de 80, Pedro Boucherie Mendes passa de raspão o evento, mas não o que significou entrar no clube dos ricos europeus. Nos anos seguintes, Portugal transformou-se para melhor e a nostalgia que sentimos, as revistas, os carros, os programas de televisão, os livros aos quadradinhos mais não serão que saudades da nossa meninice e não de um país que desapareceu. Nos anos 80, uma viagem a Mangualde, onde os meus avós viviam de Abril a Outubro, não demorava menos de 6 horas, com fortes enjoos pelo meio nas curvas de Penacova que contornavam o Mondego. Em poucos anos, o percurso reduziu-se para metade. No entretanto, o meu avô e tios-avós faleceram, a minha avó passou mais tempo nas Picoas e a auto-estrada até à saída para o IP3 perdeu relevância para nós.
Os mais novos não sabem, mas na altura acreditava-se mesmo que íamos dar o salto. Não apenas viver melhor. Acreditava-se que Portugal seria um país rico, desenvolvido, com bons empregos e bons salários. Os estudos ficaram ao alcance de todos e construíam-se tantas casas que os que já viviam bem se queixavam de uma alteração irremediável da paisagem. Sobre o que correu mal já se dissertou e escreveu vezes sem conta. Essencialmente, passámos a viver melhor, mas não enriquecemos. Endividámo-nos. E agora pagamos a conta. Há um ponto que tem sido esquecido, mas que Luciano Amaral refere no ensaio ‘A busca da democracia 1960-2000’, publicado na ‘História Económica Contemporânea – Portugal 1808-2000‘, organizado por António Costa Pinto e Nuno Gonçalo Monteiro. Tratou-se da redução da desvalorização cambial do escudo que visava garantir a competitividade das exportações. Tal foi possível porque na época o preço do petróleo baixou de forma significativa. A verdade, é que um escudo sobrevalorizado permitiu reduzir a inflação ao mesmo tempo que se baixaram as taxas de juros. O resultado, a prazo, foi uma economia menos competitiva e mais centrada na construção que na produção de bens para exportação. A tendência prolongou-se e hoje produzimos bens não transacionáveis de pouco valor acrescentado quando, para que Portugal fosse mais rico e mais desenvolvido, o caminho teria de ter sido outro, quanto mais não fosse logo depois de controlada a inflação, para que a adesão ao euro não tivesse sido negativa em termos de competitividade.
Quarenta anos passados da adesão à CEE é tempo de o país repensar o seu papel e destino na Europa. O fim do Império ditou esta nova identidade europeia que damos por certa e única. No entanto, a partir do momento em que a Europa perdeu o norte e não sabe no que se quer tornar, a partir do momento em que os blocos de poder nas relações internacionais mudaram de configuração e peso, é tempo de Portugal pensar qual pode ser o seu contributo na Europa. Sendo um dos poucos estados europeus com fortes ligações em todos os continentes, o nosso papel pode ser mais determinante do que pensamos. Naturalmente, não se espera que os governantes portugueses comecem a perorar nas reuniões europeias sobre a necessidade de se forjar um novo destino e de a Europa ter um rumo político. As mudanças não se fazem dessa forma, mas através da acção simples. No campo diplomático e político.
Há 40 anos, o mundo desenvolvido reduzia-se aos EUA, Canadá, parte da Europa Ocidental (Portugal era considerado um país em vias de desenvolvimento), a Austrália, Nova Zelândia e o Japão. O resto era de uma pobreza absoluta. Actualmente não é nada assim. E ainda bem. A China é a segunda maior economia do mundo, a Ásia tem um dinamismo maior que o europeu, centenas de milhões de pessoas saíram da pobreza e o equilíbrio de poder alterou-se radicalmente. A actual crise europeia é o espelho da adaptação (ou falta dela) da Europa a essa mudança. Há 40 anos, Portugal mudou para estar na Europa. Agora, a mudança terá de ser a um nível superior.
observador