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A reforma do estado

A reforma do estado

A reforma do estado é um palavrão que pode dizer muita coisa. Basicamente, o que quisermos. A maioria das vezes é confundida com inovação tecnológica, como se se reduzisse à introdução da Inteligência Artificial no sector público. Um erro que já foi cometido no passado quando o uso da internet se tornou comum. Reformar o estado não é modernizar o seu funcionamento. É muito mais que isso.

Numa visão tecnocrática será torná-lo mais eficiente. Mas numa perspectiva política não se fica por aqui. Numa primeira linha, visa garantir que o estado não põe em causa as liberdades individuais. Num segundo plano, que o estado garanta que essas liberdades individuais não são postas em causa por outros.

Uma reforma do estado que tenha estes dois objectivos em vista começa por listar as suas funções essenciais. A segurança, a defesa, a representação externa e a justiça costumam estar no topo das prioridades. Mas e a saúde? E a educação? O objectivo do estado deve ser que estas sejam acessíveis para todos em condições igualdade. Mas como é que isso se obtém? Por acção directa do estado, do poder político, unicamente por via de hospitais e escolas públicas? Ou caberá ao estado estabelecer objectivos e regular as actividades que a sociedade exercerá com vista a esse mesmo fim? A mesma questão relativamente à mobilidade: cabe ao estado ter aviões, autocarros e comboios ou deve simplesmente (e este simplesmente já não é coisa pouca) garantir que as infra-estruturas são construídas, são coincidentes com os objectivos da coesão territorial previamente definidos e que a sua manutenção será feita de acordo com regras pré-estabelecidas?

Ultrapassado este primeiro ponto de discussão, o estado sai de determinadas áreas, reajusta a sua actuação noutras e acentua o seu cuidado e investimento nas que consideramos principais. A título de exemplo, e na justiça. Os tribunais portugueses levam tempo a julgar, essencialmente por duas razões. Primeiro, devido ao modelo garantístico que é o português. A prioridade do sistema judicial português é o de garantir que os direitos dos réus e arguidos são respeitados. Estes são cidadãos e quando falamos da defesa dos direitos de cidadania também temos de falar dos réus e arguidos, quanto mais não seja porque qualquer um de nós pode ser réu ou arguido num processo. Não é preciso ter desrespeitado um contrato ou ter cometido um crime. Basta a submissão de um pedido nesse sentido ou uma acusação num tribunal. Os direitos dos réus e dos arguidos existem precisamente por isso: para dar segurança perante a discricionariedade de quem pode ser réu e arguido sem que haja razão para tal. É um modelo que explica, em parte, o tempo que os tribunais levam a decidir e que, pelas razões referidas, não deve ser questionado. Mas há uma outra explicação para os atrasos na justiça a que, essa sim, se pode dar resposta. A de máquina judicial ser a mesma dos anos 70 e 80 do século passado, quando a litigância jurídica era em muito menor número que agora.

Assim, e sendo a justiça uma das funções essenciais do estado, numa reforma feita com pés e cabeça, a atenção e o investimento que o estado deixa de fazer em certos sectores, deve ser canalizada para a justiça. Com mais meios, uma das medidas passa pela melhor formação dos funcionários judiciais que, por sua vez, implica pagar-lhes melhores salários. A formação adequada (e mais demorada) dos funcionários judiciais será a única forma de estes terem competência para chamarem a si actos judiciais que não têm de ser praticados por juízes que se devem concentrar nos processos juridicamente mais complexos. Processos que não se decidem de um dia para o outro. Que exigem trabalho, estudo e ponderação. É, pois, crucial que um juiz não esteja atulhado em casos juridicamente simples que podem ser despachados por juízes com menos experiência ou funcionários judiciais devidamente qualificados para tal.

Mas não é apenas na justiça. O estado necessita de altos e médios quadros da função pública nas suas áreas de actuação. Daí a necessidade de criação de uma boa escola de formação de quadros da função pública que os dote com conhecimentos que os legitimem nas posições que irão ocupar no estado e que, dessa forma, lhes permitem uma independência relativamente ao poder político. Será essa independência técnica que se vai relevar essencial para que o estado funcione mesmo quando há eleições. Para que não pare sempre que haja eleições. Será ainda essa formação técnica que permitirá que os funcionários públicos subam na carreira pelo mérito e não pelo cartão partidário. Será essa formação que dará lugar à separação entre o que é uma decisão técnica e o que é uma decisão política.

Estes exemplos que referi implicam que se façam investimentos. Um aumento da despesa em determinadas áreas do estado obriga a uma redução da despesa noutras áreas do estado. Daí a reforma do estado ser um tema complexo e não se reduzir a tecnicidades. É uma opção política. Se o governo de Luís Montenegro quer mesmo reformar o estado espero que não se fique pelos aspectos técnicos. Aguardo que faça política. A reforma do estado é um assunto político que exige discussão e decisão política e é assim que deve ser encarada.

observador

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