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Imigração. A primeira batalha do Governo

Imigração. A primeira batalha do Governo

Foi Luís Montenegro quem, já depois das eleições de 18 de maio anunciou que o PSD, como partido charneira do novo quadro político iria «planar mais para a direita ou mais para a esquerda», dependendo das matérias em apreço. A primeira planagem acontece esta sexta-feira com um voo, ao que tudo indica, inclinado para a direita. As propostas sobre imigração, que preveem apertar regras de entrada e de concessão de nacionalidade vão direitinhas ao coração do discurso político do Chega e serão, com grande probabilidade aprovadas pelo partido de André Ventura que, ao final da tarde desta quinta-feira se encontrou com Luís Montenegro para fechar um acordo sobre o tema.

Uma fonte do Governo disse ao Nascer do SOL que «a partir de agora é assim, há um Governo que governa e conforme as propostas os dois partidos (PS_e Chega), estão mais próximos, ou não». A mesma fonte nota que, ao contrário da legislatura anterior, basta que um dos dois maiores partidos da oposição se abstenha, para que as propostas do Executivo possam passar.

No final do conselho de ministros, António Leitão Amaro, que tem a tutela da imigração, mostrou-se confiante na aprovação dos diplomas que o Governo vai levar ao Parlamento e mostrou abertura para ajustes no debate na especialidade. Antes disso os sociais-democratas, pela voz de Hugo Soares, já tinham rejeitado a sugestão do líder socialista para que as propostas baixassem à comissão, sem votação na generalidade. José Luís Carneiro, que já manifestou a oposição do PS às propostas da AD tal como estão, tentou, com a sugestão de adiar a votação, um caminho intermédio para não ficar fora do debate. A recusa imediata do PSD deitou por terra os esforços socialistas e, à hora do fecho desta edição, o cenário em cima da mesa era o da aprovação das propostas do Executivo, com os votos do Chega e da Iniciativa Liberal.

Para Leitão Amaro a votação desta sexta-feira é um primeiro teste «a cada partido e a cada um dos maiores partidos». Para o ministro responsável pela apresentação das propostas este é um momento definidor em matéria de política de imigração e os partidos vão ser chamados a decidir «se querem preservar o que ainda sobra de uma época de facilitação, ou contribuir para uma mudança de política que vem a ser feita desde o ano passado? Vai definir a posição que tomarem no final, demonstrar onde cada um desses partidos estará».

A aposta na alteração das regras da imigração em Portugal vem desde a legislatura anterior e foi o tema com que o governo de Luís Montenegro tentou desde o início acenar ao eleitorado do Chega. Na campanha eleitoral, a AD_fez da imigração uma bandeira, procurando mostrar resultados do trabalho feito durante os 11 meses de vida do Governo. Agora, é a iniciativa inaugural do Executivo e provavelmente o primeiro acordo entre Montenegro e André Ventura, num tempo em que o «não é não» tem, obrigatoriamente que ter outras interpretações.

Leis podem ir parar ao Constitucional

As alterações propostas pelo Governo ao regime de reunificação familiar e o alargamento de prazos para que seja possível aceder à nacionalidade portuguesa, são duas questões que têm levantado dúvidas de constitucionalidade.

Sobretudo, no que respeita a reunificação familiar, o facto de serem excluídos na proposta «profissionais altamente qualificados, os ‘vistos gold’ e os beneficiários de cartão azul da União Europeia». De acordo com várias opiniões, o critério de quem fica sujeito a novas regras e de quem está excluídoé inconstitucional por descriminar as pessoas em função dos seus rendimentos.

Quanto às novas regras para os pedidos de nacionalidade, as dúvidas de conformidade com a lei fundamental respeitam aos prazos e à sua diferenciação em função do país de origem dos imigrantes.

O argumento da inconstitucionalidade das propostas é exatamente o que os socialistas têm usado para justificar a sua oposição e é exatamente com o argumento de «dissipar as dúvidas de constitucionalidade» que José Luís Carneiro pediu a descida dos diplomas à especialidade sem votação.

Estas e outras dúvidas estão também na cabeça do Presidente da República que avisa que vai estar atento às leis que lhe chegarem ao Palácio de Belém. Marcelo Rebelo de Sousa, que lamentou ser «chamado a fazer esta avaliação numa altura, admito, em que imaginava ter uma vida mais fácil no final do segundo mandato» partilha não só de algumas dúvidas constitucionais, como está também preocupado com a maioria que, na Assembleia da República vai aprovar as novas leis.

Em declarações esta semana aos jornalistas, o Presidente garantiu que vai olhar com muita atenção para as questões constitucionais dos diplomas que lhe chegarem. Para Marcelo, as novas leis precisarão de uma análise mais fina, mesmo que venham expurgadas de desconformidades mais evidentes. O chefe de Estado, que é também constitucionalista admite que «provavelmente não são patentemente inconstitucionais», mas isso, do seu ponto de vista não invalida que devam ter uma apreciação dos juízes do Palácio Ratton. Diz o Presidente que só assim se evita que «cada tribunal pode ter uma interpretação diferente». O Presidente, que garantiu não ter ainda lido as propostas que o governo enviou para o Parlamento, não deixa contudo de levantar questões quanto aos prazos definidos para o acesso à nacionalidade e sobre a exclusão de alguns cidadãos das novas regras de reagrupamento familiar.

Nas mesmas declarações, Marcelo Rebelo de Sousa não afastou ainda a hipótese de um veto presidencial, conforme seja o resultado final dos diplomas aprovados em São Bento. Para além das duas leis sobre nacionalidade e reagrupamento familiar, está também em cima da mesa uma outra proposta. A criação de uma unidade de estrangeiros e fronteiras na PSP.

A proposta é recuperada de uma semelhante, apresentada na última legislatura e chumbada com os votos contra dos socialistas e do Chega. Na altura o Governo não deixou de acusar os dois partidos de conluio, numa matéria cara para o partido de André Ventura. A nova unidade da PSP_proposta pela AD é considerada indispensável para o controlo de fronteiras que, segundo o Executivo, deixou de ser efetiva com a extinção do SEF.

Ao que tudo indica, desta vez a iniciativa deverá passar, até porque nas propostas que apresentou sobre imigração, o Chega também propõe a criação de uma entidade em tudo semelhante.

Tal como em relação às outras duas propostas, o Partido Socialista também se opõe à criação desta nova unidade. Foi no tempo de António Costa que o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras foi eliminado, na sequência do caso de um cidadão ucraniano morto no aeroporto de Lisboa, às mãos desta entidade policial.

Apesar de ainda não ser o titular da pasta da Administração Interna_– era Eduardo Cabrita –, José Luís Carneiro, foi o ministro que teve a cargo a formalização da extinção da polícia de fronteiras. O agora líder socialista sabe que esses tempos serão recordados e usados contra si, sempre que isso convier a Luís Montenegro e ao Governo. Aliás o argumento já foi usado no primeiro debate quinzenal da nova legislatura, com Carneiro a pedir a palavra para defesa da honra. O novo secretário-geral socialista fez questão de lembrar que a decisão de extinção do SEF não tinha sido da sua responsabilidade e que lhe coube apenas dar seguimento a uma decisão já tomada.

Esta sexta-feira o tema não passará em branco com a AD_a querer tirar partido do argumento de que os socialistas deixaram o país no caos em matéria de imigração e que ainda não viraram a página desse passado. A discussão em torno da nova unidade de serviços e estrangeiros será o argumento de uma primeira batalha parlamentar em que Montenegro escolheu negociar à direita. O PS deverá ficar fora deste consenso.

Pendentes 700 mil pedidos de nacionalidade

Em simultâneo, nas conservatórias, a situação continua caótica. «Prometeram-nos Ferraris, mas deram-nos ferro-velho para trabalhar», diz ao Nascer do SOL o presidente do Sindicato dos Trabalhadores dos Registos e Notariado (STRN), descrevendo o colapso dos últimos anos nos serviços onde se acumulam neste momento «700 mil pedidos de nacionalidade». Segundo Arménio Maximino, cerca de 30% dos pedidos pendentes serão relativos à naturalização de imigrantes, outros 30% de descendentes de judeus sefarditas e o restante de lusodescendentes.

O número não para de crescer, alimentado pela «corrida às conservatórias», na sequência do anúncio do Governo sobre as alterações à Lei da Nacionalidade, que apertam as regras. Centenas de cidadãos acorreram na última semana aos serviços do Instituto de Registo e Notariado procurando submeter os pedidos antes da entrada em vigor das novas medidas.

Embora, o STRN refira o número de 700 mil pedidos pendentes, o Governo e o IRN não divulgaram números sobre os processos. Contactada pelo Nascer do SOL, fonte do Ministério da Justiça sublinha que esses dados não são oficiais e confirma apenas que os números estão a ser verificados para futura divulgação, sem avançar qualquer prazo, referindo mesmo a sobrecarga nos serviços. Ao que sabe o Nascer do SOL o Executivo não quer que a divulgação de números oficiais sobre os pedidos pendentes de nacionalidade venha a inquinar o debate e votação das propostas, esta sexta-feira, na Assembleia da República. O nosso jornal tem vindo a pedir essa informação nas últimas semanas, até agora sem resposta.

Já depois de o STRN ter avançado com um número de pedidos pendentes, o Governo anunciou o reforço de 11 assistentes técnicos — quatro para a Conservatória dos Registos Centrais, em Lisboa, e sete para o Arquivo Central do Porto. No entanto, o dirigente sindical considera que se trata de uma «manobra de diversão». É que, segundo Arménio Maximino, os assistentes técnicos «não têm competências para analisar ou decidir processos de nacionalidade». E vai mais longe, o anúncio do Governo é «insultuoso para os trabalhadores» e «desrespeitoso para os cidadãos», que esperam há anos por uma resposta.

Os serviços do IRN ainda têm processos de 2021 para analisar. Nem a submissão por correio, nem a plataforma informática – criada para submissão desmaterializada dos pedidos e financiada pelo PRR – têm resolvido o problema. A ferramenta digital é reservada a advogados e solicitadores, o que logo aí limita o número de imigrantes cujos processos podem ser tratados online. «Mesmo que todos os pedidos fossem enviados por via digital, não temos quem os trate», acrescenta o dirigente sindical. A situação é ainda agravada por falhas tecnológicas constantes.

Para Arménio Maximino, a razão do «descalabro» que diz existir é a carência de pessoal qualificado: faltam 266 conservadores e mais de 1.800 oficiais de registos, segundo o sindicato. A maioria das vagas abertas em concursos recentes ficou por preencher, reflexo da baixa atratividade das carreiras, salários desajustados, envelhecimento dos quadros (a média etária ronda os 60 anos), além de condições degradadas, com conservatórias sem climatização.

Para o STRN, é urgente implementar um plano de contingência, com reforço efetivo de pessoal, valorização das carreiras e investimento em meios técnicos. Caso contrário, há o risco de as conservatórias começarem a fechar portas deixando milhares de cidadãos com a vida em suspenso. O próprio Arquivo Central do Porto já teve de encerrar o atendimento presencial, para poder dar vazão aos pedidos pendentes. Se os conservadores e os oficiais de registo estão ao ‘balcão’ não há quem ‘ande para a frente’ com os processos e acumulam-se ainda mais pendentes.

Jornal Sol

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