Nuno Melo: ‘O investimento na defesa não pode pôr em causa o Estado social nem comprometer a economia’

É o ministro do executivo de Luís Montenegro a quem cabe concretizar um dos objetivos mais difíceis desta legislatura. Cumprir as metas acordadas na última cimeira da NATO, que correspondem a um enorme aumento das despesas em defesa, cumprindo a promessa de não cortar nas despesas sociais. Nuno Melo, que também é o líder do CDS, garante que vai consegui-lo e ainda trazer benefícios para a economia portuguesa.
A Cimeira da NATO foi vista como uma encenação para agradar ao Presidente dos Estados Unidos da América. Foi também assim que olhou para o resultado desta reunião?
Em cinco meses não tem a mínima noção de que o mundo mudou …
E uma dessas mudanças foi exatamente a eleição de Donald Trump?
Embora seja a eleição de um Presidente de um Estado democrático e, para além do mais, tão importante na salvaguarda da democracia e da liberdade como todos os Estados da NATO. Não é certamente razão de preocupação para o mundo livre, independentemente das características particulares da liderança. Já a ascensão dos extremismos, as noções de domínio, as vontades de conquista e tudo mais que traduz uma pressão geopolítica muito relevante, sim. O que é facto é que neste momento vamos no terceiro ano de guerra na Ucrânia. Era uma guerra que supostamente demoraria semanas e que somos confrontados passados três anos com a internacionalização, medida também pela presença de tropas norte coreanas no conflito. Houve um agravamento da situação política e militar no Médio Oriente. Acabámos de assistir a um ataque ao Irão e Israel encara o conflito neste momento como quase existencial. A isto junta-se a confirmação da China com uma potência. Há realmente uma deslocação estratégica dos Estados Unidos da América para o Indo-Pacífico, e sabemos que essa evidência não resulta da administração Trump, já teve vários precedentes. Os Estados Unidos já não estão disponíveis para financiar a NATO , nomeadamente, a dimensão da defesa europeia como fizeram até aqui.
Mas a questão é se a meta que foi definida não vai muito para além daquilo que é razoável, tendo em conta as necessidades e as mudanças que ocorreram no mundo. Aquilo que também muitos observadores dizem é que a cumprir essa meta, a Europa vai acabar por ter equipamentos de que não necessita.
O que referi vem a par com o enfraquecimento das organizações de segurança, das agências multilaterais de segurança que saíram e foram criadas e desenhadas depois da Segunda Guerra Mundial. Mas a par também de ondas que são muito preocupantes de protecionismo e de nacionalismos. Tudo isto leva-nos a uma conclusão que me parece evidente, seria bom que as pessoas acabassem por tomar consciência de que a NATO é a mais forte, bem demonstrada organização de defesa coletiva à escala planetária, que nos assegurou desde a sua criação mais de 75 anos de paz, mas que o fez porque foi sempre política e operacionalmente forte. A NATO garantiu a paz porque se investiu nela e nesse seu sucesso, assegurando a seu tempo o fim do bloco de Leste, a queda do Muro de Berlim e, portanto, hoje em dia, quando o mundo está mais perigoso, mais imprevisível e enfurecido, a NATO é uma razão de inteligência. Tratar de reforçar o pilar europeu de defesa da NATO, não é uma opção.
Certo, mas a questão não é se é preciso investir mais, os 2% já estavam adquiridos?
Os 2% são um mínimo de investimento, neste momento, de quem quer fazer parte da NATO. Quando Portugal diz que até final de 2025 atingirá os 2% do Produto Interno Bruto de investimentos na defesa, está a dizer que tudo ficará nivelado pelos países que menos investem na NATO. Compará-lo com o investimento, que desde logo todos os países a leste, que já superam em muito os 4%, os 3,5% ou 5% em alguns casos… Portugal, na verdade, estava já isolado, a par do Canadá, pouco antes da Cimeira de Haia. Portanto, quando Portugal investe 2%, continua a ser um dos países que menos investe na NATO. Mas sabemos que estamos a investir na NATO depois de décadas de desinvestimento das Forças Armadas em Portugal, que existem e são relevantes não por causa da guerra, mas por causa da paz. E, portanto, quando nós neste momento falamos de investir na defesa, falamos desde logo em modernizar o país com equipamentos que são utilizados em Portugal todos os dias, na emergência médica, no salvamento e combate aos fogos, no combate à criminalidade, coordenado pelas entidades de polícia e pelo poder judicial, no transporte de órgãos. Tudo isto, a par de muito mais, a Força Aérea há muito tempo é responsável pela emergência médica das Regiões Autónomas, com o Exército todos os dias a patrulhar nas nossas florestas, numa ação de prevenção de incêndios. Isto para dizer que nós quando estamos a investir 2%, não estamos a investir em equipamentos usados na guerra. Podem também ser utilizados na guerra, mas são equipamentos usados, principalmente, em tempos de paz. E depois há todo um universo de investimento que tem de ser feito do ponto de vista das infraestruturas, da saúde militar da habitação, tudo aquilo que não é feito há anos e anos, mas que implica recursos. Mas com esta dupla certeza, em primeiro lugar, não se pode pôr em causa o Estado social, em segundo lugar, não se pode comprometer a economia. Nós temos de assegurar, no que tem que ver com bens, equipamentos e infraestruturas, cada aquisição, cada modernização tem de envolver a indústria portuguesa. Neste momento estou em Itália e vou ter daqui a pouco uma reunião com o ministro da Defesa italiano, mas o pretexto é a junção em projetos de sinergias de empresas portuguesas e empresas italianas, que são um gigante industrial a nível global. Ou seja, nós queremos investir na defesa, mas levar para este crescimento as empresas portuguesas. Vai reforçar a economia, a defesa vai criar oportunidades de emprego numa área de salários mais altos, onde há mais inovação e tecnologia, onde o retorno para o produto interno é muito maior. Criando clusters à volta daquilo que são as necessidades da terra, do mar e do ar. Eu acho que isto é bom, não é despesa.
Então a pergunta que faço é: se era assim tão simples, porque é que demorámos tanto tempo a fazer?
Pelo simples facto de que os sucessivos governos precedentes, mobilizados na eleição seguinte, nunca tiveram a Defesa Nacional como uma prioridade política. Para governos precedentes, nomeadamente aqueles saídos desde 2015, as Forças Armadas e a Defesa Nacional foram a última das preocupações da política. Desinvestiram nas Forças Armadas.
Mas também o contexto internacional era diferente. Os portugueses não estavam tão abertos a investimentos na defesa como estão hoje?
Bom, eu sempre gostaria de recordar que há um ano, quando nós decidimos aumentar salários e suplementos, e recordo que os militares ganhavam muito menos do que, por exemplo, os elementos das forças de segurança da GNR e da PSP, não havia relatório Draghi. Se há um ano me dissessem que estaríamos neste momento, em junho de 2025, a falar de investimentos de 2% na defesa diriam provavelmente que essa pessoa não estaria bem da cabeça. Mas nós lutámos pelo investimento na defesa quando não havia essa perceção global da necessidade de investimento nesta dimensão. E começámos pelas pessoas, por muito bem equipadas que estejam as Forças Armadas, se não tiver militares não vale de nada. Por isso começámos pelas pessoas de forma comprometida e convicta, porque sabíamos que estávamos a fazer o que era certo. Um país como Portugal, com este imenso mar soberano, tem de exercer em terra, no mar e no ar, essa soberania. Patrulhar a Zona Económica Exclusiva, exercer ações de busca e salvamento, patrulhar o território continental, fazer a emergência médica das regiões autónomas, fazer tudo aquilo que passa pelas Forças Armadas. Se hoje Portugal dá um passo importante, com noção do impacto e da dificuldade, também o faz com o propósito que é estratégico no sentido de valorização e dignificação das Forças Armadas.
E consegue garantir que antecipar a meta dos 2% já para este ano não vai ter nenhum impacto nas contas nacionais?
Eu acredito que vai ter um impacto positivo nas contas nacionais, pelo facto de se tratar de investimento e não da despesa. Acredito que este envolvimento das indústrias de defesa no esforço que estamos a fazer se traduzirá em mais empregos, produzirá mais riqueza, se traduzirá em mais impostos, na criação e no fortalecimento de coisas já existentes.
Mas isso é visível no acerto de contas no final do ano ou é uma coisa que se calhar não é um dado seguro. Sempre são 1000 milhões de euros?
O Reino Unido investiu em drones portugueses muitíssimos milhões de euros. A contribuição portuguesa para a iniciativa do Reino Unido em drones foi de 52 milhões de euros. Neste momento Portugal lidera a produção de drones à escala global. Os navios patrulha oceânicos estão neste momento a ser construídos nos Estaleiros de Viana do Castelo por trabalhadores portugueses. É uma empresa portuguesa que paga impostos em Portugal. As viaturas Pandur, neste momento, a atualização de muitos milhões de euros, será feita a 100% pelas empresas portuguesas. Há semanas em Paris anunciei que íamos adquirir o sexto KC-390, mas simultaneamente fazendo uma reserva de mais dez aeronaves. Eu sei que cada aeronave vendida no espaço NATO, através da relação Estado a Estado, significa 11 milhões de euros para o Estado. E 70% do KC é fabricado em Portugal.
Mas para tudo isso que me está a dizer os 2% de investimento chegam. Porque é que temos de chegar aos 5%, ainda que com aquela ideia dos 3,5% mais 1,5%, daqui a dez anos?
O que eu digo é que atingiremos os 2% com a garantia da sua execução e do retorno para a economia. O que tem que ver com os 3,5%, esses em despesa direta e depois mais 1,5 em infraestruturas, mas já gora frisando que em 2029 tem de ser feita uma reavaliação…
É coincidência ser o ano em que Donald Trump sai da Casa Branca?
Não sei se é coincidência. Para mim, o que é relevante é perceber que antes da meta de 2035 em que temos de atingir valores maiores, há um momento de ponderação.
E, entretanto, até 2029 não há nenhum teto a respeitar. Portanto, pode-se ir avaliando qual é o investimento?
Claro que sim. Dependemos dessa avaliação, que é feita também, desde logo pelas finanças, tendo em conta a necessidade de preservação do Estado social e económico.
Jornal Sol