Os desafios para a democracia após o atentado contra Miguel Uribe Turbay, a menos de um ano das eleições

Os três tiros disparados contra o senador e candidato à presidência Miguel Uribe Turbay —que também são três ataques diretos à democracia colombiana—e a escalada da violência em Cauca e Valle de Cauca representam um duro aviso para um país que está a menos de um ano de ir às urnas para renovar o Congresso e eleger um Presidente da República.
Como nos piores anos das décadas de 1980 e 1990, assassinos de aluguel atacaram um candidato ao cargo mais alto do país, aproveitando-se de sérias fraquezas em seu esquema de proteção indicado pelo estado.
Centenas de vídeos gravados por celulares e câmeras de segurança registraram tanto o ataque quanto a angústia que se seguiu , a captura do assassino e os esforços dos companheiros do senador para salvar sua vida. O assassinato de Luis Carlos Galán, perpetrado pela máfia em agosto de 1989, e o de Luis Donaldo Colosio no México, cinco anos depois, vieram à mente de milhões de pessoas que viveram aqueles momentos de crise há mais de três décadas.

María Claudia Tarazona, esposa do senador Miguel Uribe Turbay. Foto: EFE
Tudo isso em um momento em que a ordem pública e a "paz total", um dos projetos emblemáticos do governo, continuam em crise e o clima político e institucional atingiu um de seus pontos mais críticos.
Durante a crise do final da década de 1980, quando, além de Galán, os candidatos Carlos Pizarro e Bernardo Jaramillo Ossa foram assassinados, o país entendeu que era necessário prevalecer sobre os pequenos interesses e se unir contra a violência. Mas na Colômbia de 2025, o apelo para moderar o confronto político e cercar a institucionalidade não encontrou eco, a começar pela Casa de Nariño. Pelo contrário, o confronto aumentou entre os poderes públicos.
O ataque ao parlamentar do Centro Democrático no sábado, 7 de junho, durante um comício político no bairro Modelia, paralisou uma disputa eleitoral marcada pela polarização.
A maioria dos candidatos expressou solidariedade a Uribe Turbay e suspendeu as atividades de campanha. Poucos pré-candidatos se registraram esta semana, quando se esperava uma avalanche de anúncios oficiais de pré-candidatura. O apelo geral foi para evitar a exploração política do ataque ao parlamentar, embora ambos os lados se acusassem mutuamente de lucrar com a tragédia.
O clima tenso terá impacto nas eleições do próximo ano. "Hoje sentimos raiva e tristeza, mas precisamos processar essas emoções sem perder de vista a nação, para permanecermos unidos e construirmos ambientes saudáveis de convivência e debate democrático. Proponho um acordo entre os pré-candidatos e os candidatos para moderar suas palavras e reduzir a violência verbal que leva à violência física", disse o ex-senador e deputado constituinte Humberto de la Calle.
Para o analista Eduardo Pizarro, uma das vozes mais respeitadas da academia colombiana, o cenário pós-ataque tem dois lados: um setor que defende a construção de um consenso nacional básico e a redução da linguagem agressiva, e uma segunda linha de ação, que é aprofundar a polarização política para favorecer determinados candidatos. "Há duas correntes: uma que radicaliza a situação e outra que reduz as tensões. Isso continuará ao longo deste ano", afirma.

O Diretor de Polícia Carlos Triana, juntamente com a promotora Luz Adriana Camargo. Foto: EFE
O analista, irmão de Carlos Pizarro, acrescenta: "Se a primeira corrente triunfar, aquela que defende a redução da linguagem agressiva e a obtenção de um consenso básico por meio da convivência democrática, a Colômbia poderá superar com sucesso este momento. Se, por outro lado, a corrente que defende o aumento das tensões triunfar, parece-me que a democracia estará em sério risco. O que mais me surpreende é que a corrente que defende o consenso esteja ganhando cada vez mais adeptos, mesmo dentro do Pacto Histórico. Setores moderados do partido governista não querem entrar na polarização. Isso exige relativo otimismo."
A investigação da tentativa de homicídio continua avançando. O Ministério Público busca agora apurar quem contratou os assassinos responsáveis pelo crime, pelo qual já foram efetuadas duas prisões.
Embora o órgão investigativo permaneça cauteloso, o presidente Petro sugeriu que tanto o ataque quanto a escalada terrorista desta semana — uma das piores dos últimos anos, que deixou nove mortos e dezenas de feridos no sudoeste do país — estão conectados e supostamente buscam desestabilizar seu governo. Essa teoria não parece condizer com o andamento da investigação.
Em seus discursos desta semana, Petro reconheceu a responsabilidade de seu governo pela evidente falha em fornecer proteção física a um de seus principais oponentes. Ele chegou a sugerir uma suposta infiltração policial, que também incluía elementos do esquema de proteção do senador. Mas, além desses eventos, que estão sob investigação da Procuradoria-Geral da República e do Ministério Público, analistas apontam que o clima de tensão política e o descrédito da oposição gerados pela Casa de Nariño e pelas contas do presidente nas redes sociais, somados ao fortalecimento de organizações armadas devido às fragilidades tanto da estratégia de segurança quanto do plano de "paz total", são fatores que pesam cada vez mais no desenvolvimento das campanhas políticas de 2026.
Campanha em espera "Não se pode buscar votos enquanto isso acontece", disse a senadora Paloma Valencia, que compete com Uribe — assim como com María Fernanda Cabal, Paola Holguín e Andrés Guerra — pelo apoio do Centro Democrático. Não foi apenas o ato de solidariedade que suspendeu a eleição. O medo de novos ataques forçou os candidatos a repensar suas agendas e exigir o reforço das medidas de segurança.
Mas, enquanto a solidariedade crescia entre os candidatos presidenciais, de todas as convicções políticas, o confronto também se intensificava. Em meio a apelos por um amplo pacto político nacional para conter a violência política, as tensões continuaram a aumentar tanto na Casa de Nariño quanto no Congresso.

Sessões de oração pela saúde de Miguel Uribe estão sendo realizadas na Clínica Santa Fé, em Bogotá. Foto: EFE
Nove partidos políticos, incluindo os mais ferrenhos opositores do governo, repudiaram o Ministro do Interior, Armando Benedetti, e o chefe de Estado como garantidores da democracia e se recusaram a comparecer ao Comitê Nacional de Garantias Eleitorais. "O medo, a incerteza, a polarização e a audácia da criminalidade sequestraram a vida nacional, semeando a insegurança em todos os setores da nossa sociedade. Longe de acalmar esta crise, o Governo Nacional, liderado pelo Presidente Gustavo Petro, parece determinado a agravá-la. Sua insistência em aprofundar a polarização, fomentar o confronto, ignorar as instituições, destacar os oponentes e desqualificar aqueles que discordam apenas agrava a divisão social e política que nos consome", diz um comunicado do Partido Conservador, do Centro Democrático, do Partido Liberal, do Partido do "U", da Mudança Radical, do Mira, da ASI, da Liga de Governadores Anticorrupção e da Colômbia Justa Libres.
Não foi uma declaração em vão. Embora tivesse prometido moderar suas declarações e apelado à unidade nacional contra a máfia, Petro tentou vincular a situação atual ao fracasso da reforma trabalhista em março, que, aliás, agora foi retomada. "O clima de tensão atual surgiu quando oito senadores da Sétima Comissão do Senado decidiram, sem discussão, sabotar a reforma trabalhista aprovada na Câmara dos Deputados", afirmou o chefe de Estado em sua conta no X.
"Não seja tão mesquinho e irresponsável. Depois da gravidade do que aconteceu com Miguel Uribe, você continua colocando uma lápide nos membros da Comissão VII. Quantos mais congressistas precisam ser fuzilados para te fazer feliz?", afirmou o senador liberal Miguel Ángel Pinto, uma das figuras-chave no arquivamento do projeto de lei. Após a aprovação de um recurso, o projeto poderá ser aprovado pelo plenário do Senado na segunda-feira, restando apenas a conciliação.
Apelo ao diálogo A semana em que o terrorismo voltou a atingir a democracia encerrou-se com a decretação do referendo e, ainda, com a ameaça do presidente de que, caso a Justiça rejeitasse o pedido — cenário altamente provável, dada a evidente violação das normas constitucionais pelo governo — ele recorreria inclusive a uma assembleia constituinte.
Enquanto Petro e seu novo ministro da Justiça, Eduardo Montealegre, apostam em elevar o tom de confronto, o ministro do Interior, Armando Benedetti, afirma que seu chefe está disposto a se reunir com todos os ex-presidentes para estabelecer regras para o debate político. Ele também afirmou que a consulta seria incluída no plano do Executivo caso o Congresso aprove a reforma trabalhista que o Palácio deseja: a que vem da Câmara dos Deputados.

O presidente Gustavo Petro condenou o atentado contra Miguel Uribe. Foto: Ovidio Gonzalez. Presidência
"Estamos dispostos a conversar com eles, a baixar o tom, a estabelecer regras mínimas para evitar que aconteça o que os grupos violentos querem: que nos matemos uns aos outros", disse o chefe da pasta política, atualmente o braço direito do presidente.
Os partidos, que desconfiam do governo, apelaram ao Procurador-Geral Gregorio Eljach, "amigo de todos", para ser o garante e a ponte para alcançar acordos que protegessem as eleições e oferecessem garantias a todos os interessados. E Eljach respondeu. Dezoito horas após o apelo dos partidos, ele convocou a Comissão Nacional de Fiscalização e Controle Eleitoral, e o plano do chefe do Ministério Público é seguir uma estratégia chamada "paz eleitoral".
Vozes continuam a surgir de todos os setores, clamando pela preservação da institucionalidade. Os governadores, por exemplo, apelaram aos líderes nacionais, a começar pelo Presidente Gustavo Petro, para que se mostrem à altura da situação. “Como líderes regionais, instamos todos os colombianos, especialmente os funcionários públicos e os diversos atores políticos, a unirem forças para empreender, de forma responsável e respeitosa, um diálogo nacional centrado na unidade institucional. É urgente atenuar a linguagem que leva à violência política e o tom agressivo que só semeia ódio, medo e polarização”, declarou a Federação Nacional de Departamentos.
“Este país sempre se mostrou à altura da situação contra criminosos. Esta não será exceção”, disse o presidente do Congresso, o senador conservador Efraín Cepeda. O ex-presidente Álvaro Uribe, líder do Centro Democrático, ordenou que o partido mantivesse a calma e, desde então, o tom tem sido de não confronto. “Neste momento difícil, sejamos solidários com Miguel. Sem provocações ou tentações”, disse o ex-presidente. Essa atitude foi enfatizada por Benedetti: “Ressaltei a atitude do Centro Democrático e do presidente Álvaro Uribe, que se mantiveram prudentes nesta situação. Não é hora de insinuações ou conjecturas que nos afastem da verdade.”
Uma semana após o ataque, os colombianos convocam hoje uma "grande marcha silenciosa" para rejeitar os manifestantes violentos e mostrar solidariedade a Miguel Uribe, cujo assento, agora vazio, ostenta a bandeira colombiana.

Sétimo relatório médico sobre a saúde de Miguel Uribe. Foto de : EL TIEMPO
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