Pergunta honesta : acreditas na tua reforma?

Em 2023, nasceram 85.699 bebés em Portugal. É pouco. Mesmo com um ligeiro aumento face aos anos pandémicos, continuamos com uma taxa de natalidade de apenas 8,1‰ e uma taxa de fecundidade de 1,45 filhos por mulher — muito abaixo dos 2,1 necessários para assegurar a renovação de gerações. Traduzido em português simples: não há crianças suficientes a nascer para, daqui a 30 anos, pagar as reformas de quem hoje acredita que “a Segurança Social é para todos”.
Mas o problema já não é só quem não nasce. É também — e talvez sobretudo — quem nasce, cresce, estuda… e vai embora. Portugal é hoje um dos países europeus com maior percentagem de jovens emigrados: cerca de 30% dos portugueses entre os 15 e os 39 anos vivem no estrangeiro, segundo dados de 2023. Uma em cada três pessoas que poderia sustentar o futuro do país, sustenta agora o de outro.
Esta geração já nasce com o passaporte em dia. Não emigra por espírito aventureiro, mas por cálculo frio. O salário médio em Portugal é cerca de 42% inferior à média da União Europeia. A habitação custa o que custa em Paris, mas com ordenados de Vilnius. Um quarto em Lisboa para um recém-licenciado custa mais do que a prestação da casa da mãe dele em 1999. Trabalhar cá é, para muitos, um luxo moralista que se paga com ansiedade.
Segundo a Federação Académica do Porto, 73% dos estudantes do ensino superior ponderam emigrar após os estudos — e 25% já decidiram fazê-lo. O Estado investe na formação destes jovens — cerca de 6000€ por ano, por aluno — para depois os ver partir, muitas vezes permanentemente. Um estudo recente estimou que a fuga de talento poderá representar 95 mil milhões de euros de perda fiscal e contributiva ao longo de 45 anos. É um rombo silencioso na sustentabilidade do país.
Entretanto, a Segurança Social portuguesa continua a operar com a fé de quem acredita que “há sempre alguém que entra”. Mas quem entra, entra cada vez menos. E quem entra, quer sair. E os que ficam, pagam. O sistema assenta num modelo de repartição — os atuais trabalhadores sustentam os atuais reformados — mas esse modelo precisa de muitos jovens. E jovens cá é coisa rara. Sim, há imigrantes. Muitos vêm com força e vontade, trabalham, contribuem. Mas mesmo entre estes, cresce o desejo de usar Portugal como porta de entrada para destinos mais estáveis e lucrativos. Até os que vêm, querem ir.
Portugal tornou-se um país de partida. Já não se trata apenas de natalidade. Trata-se de falta de pertença futura. De não haver razão suficiente para ficar, construir, cuidar. E um país onde se nasce para partir é um país sem chão. E, sem chão, não há casa. Nem creche. Nem pensão. Mas este problema não é exclusivo. Outros países enfrentaram (e enfrentam) desafios semelhantes — com uma diferença: fizeram alguma coisa. A Irlanda, que nos anos 80 era também um país de fuga e de famílias partidas pelo Atlântico, investiu num modelo fiscal competitivo, na atração de empresas tecnológicas e na ligação direta entre universidades e o mercado de trabalho. Hoje, é um dos países europeus com maior taxa de retorno de emigrantes.
A Estónia, que tem menos população que a Área Metropolitana de Lisboa, fez da digitalização um motor de modernização.
Os jovens podem abrir empresas online em minutos. Os serviços públicos funcionam. Há confiança no Estado — essa variável difusa que, em Portugal, costuma ficar escondida entre a ironia e a resignação.
A Alemanha, com um défice demográfico grave, lançou há anos um programa agressivo de captação de profissionais de saúde e engenharia — com integração familiar, aulas de alemão pagas, e reconhecimento rápido de diplomas estrangeiros. Muitos desses profissionais vêm… de Portugal. Até o Canadá, que está a braços com uma crise de habitação, não esconde o objetivo: atrair talento jovem, dar-lhes um plano de vida, e garantir que trabalham onde fazem falta. Lá, o imigrante não é apenas mão-de-obra barata. É contribuinte estratégico.
Portugal, por seu lado, aposta tudo no “sol, praia e vinho verde”. São ativos, sim. Mas não sustentam um país. Pelo menos não um país com pretensões a mais do que ser resort europeu sazonal com parlamento próprio. O que fazer?
Antes de mais, reconhecer que o problema é estrutural. E exige políticas de fundo. Uma política séria de habitação, por exemplo, que vá além de proibir e limitar. Que mobilize os milhares de fogos devolutos com incentivos fiscais a senhorios que arrendem a preços compatíveis com rendimentos reais. Que simplifique o licenciamento. E que responsabilize municípios que há décadas vedam construção com planos urbanos desenhados para outros tempos. Depois, um pacto nacional pelo talento. Que associe universidades, empresas e Estado na criação de percursos profissionais com valor económico real.
Um recém-licenciado não tem de ganhar 1500€ por piedade — mas porque custa mais perder 150.000€ em impostos futuros se ele for para Estocolmo. E já agora, olhar para a diáspora com olhos de futuro, não de saudade. Um “Visto Regressar+” que ofereça benefícios fiscais por 5 anos, acesso prioritário à habitação, apoio à integração familiar e equivalência rápida de competências a portugueses no estrangeiro. Há milhares de enfermeiros, engenheiros, professores e técnicos que talvez voltem — se lhes disserem “volta, precisamos de ti”, em vez de “cá não há lugar”.
E por fim, uma conversa honesta entre gerações. A reforma que hoje se paga com desconto nos salários dos netos pode muito bem não existir amanhã, se esses netos forem viver para fora. Um novo contrato social — onde os mais velhos aceitam revisitar privilégios passados, e os mais novos têm razões para confiar no futuro — não é utopia. É pragmatismo com visão.
Portugal não vai ter um baby boom por decreto. Nem salvará a Segurança Social com campanhas de fertilidade. Mas pode — com inteligência, coragem e planeamento — inverter a lógica da desistência. Pode deixar de ser um país onde se nasce para partir. E passar a ser um país onde se fica porque se quer. Porque compensa. Porque há chão.
E talvez o último português a sair ainda venha a deixar a luz acesa. Não por nostalgia. Mas porque há alguém a caminho. De volta. E com filhos.
observador