O lápis azul não combate fogos

“Quem troca liberdade por segurança acaba perdendo a liberdade e a segurança” (citação atribuída a Benjamin Franklin)
A problemática com incêndios tem crescido nas últimas décadas em Portugal. E não são só vidas humanas, animais, casas, infraestruturas ou florestas que estão sob ameaça. É (e exemplos disso não faltaram, do confinamento de espaços florestais ao episódio caricato dos foguetes da festa de Marinhais, e o líder socialista ainda queria mais – um estado de contingência para requisitar bens privados), cada vez mais, a liberdade!
Tem igualmente crescido, acompanhando o ritmo dos Incêndios, a cobertura mediática a estes eventos. O que, como já aqui escrevi há uns dias, é perfeitamente compreensível: os grandes incêndios são notícia, as pessoas em geral têm interesse nela, e particularmente aquelas com proximidade ao local afetado – mesmo este ano não faltaram lamentos por quererem ter informação específica sobre uma qualquer situação concreta e não a terem.
Não que o jornalismo sobre incêndios seja grande coisa. A falta de isenção e de pedagogia é compensada por muita ignorância (das Eólicas que são ventoinhas a soprar o fogo aos Carvalhos quando se mostram Mimosas, passando pelo fogo que regressou a Pedrógão 8 anos depois quando nesses 8 anos foram… 55) e muita politiquice (as férias de Montenegro, a gravata de Montenegro, os gráficos com intervalos escolhidos à medida, os imigrantes que combatem fogos, etc., etc.). Embora não seja um exclusivo nem desta temática – antes fosse, mas o jornalismo tem sido assim com tudo – nem desta geografia: encontramos paralelismos por exemplo nos EUA, na Austrália, ou na Grécia…
No caso do jornalismo de crises, como são os incêndios, há ainda a acrescentar a priorização do imediatismo e do sensacionalismo. O que acaba por limitar, pela sua superficialidade (isto também já foi estudado em Portugal), a capacidade da sociedade para enfrentar desafios ambientais cíclicos. Isto significa que melhor jornalismo podia significar melhores respostas políticas, mas não nos podemos esquecer que o interesse que norteia os grupos de comunicação é primeiramente comercial: estão-nos a “vender” aquilo que acham que queremos “comprar”, e também em nós, consumidores, há responsabilidade nas escolhas.
Todavia, muita gente rejeita tal responsabilidade de escolher enquanto comprador e inclina-se para o condicionamento da liberdade de escolha de quem vende. Não advogando por melhorias em potencial que se perdem, antes em danos diretos no agravar da situação. Assumem erradamente (ideia mais antiga que Portugal: já os Visigodos pensavam o mesmo…) que a nossa problemática com Incêndios se deve a Incendiários (conspirando sobre tudo e um par de botas, de agendas a negócios ou a perturbações mentais, e desconfiando de todos – políticos, jornalistas, florestais, policias etc., está tudo “comprado”) e que a cobertura mediática contribui assim para espalhar fogos pelo território.
É mais um exemplo de como o que precisávamos era de melhor jornalismo, não de o calar. Só que em vez de conhecimento para desmistificar o assunto, é a própria comunicação social que puxa pelo bode expiatório dos incendiários, e ainda se põe a fazer peças sobre a psicologia de pirómanos. Assumem-no portanto como um facto (pudera… se até a AGIF o faz), que o seu trabalho tem repercussões negativas.
Mas será mesmo assim?
Com as críticas várias ao meu artigo já citado, pensei em testar a questão. Para isso percorri as 128 capas dos jornais nacionais (CM, Público, JN, DN, Sol, Diabo e Expresso) no último mês (de 25 de Julho a 24 de Agosto), para estimar a cobertura noticiosa a Incêndios. Foram 95 capas com o tema: 74% do total, variando entre dias com 0% (nenhuma capa) até aos 100% em alguns dias (todas as capas dos jornais saídos naqueles dias). Depois recolhi o número oficial (SGIF/ICNF) diário de incêndios para observar a sua variação diária e testar a sua correlação com a cobertura noticiosa.
Os resultados estão sintetizados na imagem que acompanha este artigo. A conclusão não pode ser outra: ao contrário do que possamos pensar sobre efeitos das notícias e independentemente das teorias de psicólogos, certo é que na realidade não absolutamente nenhuma relação entre cobertura mediática e aumento de incêndios. Zero.

De qualquer forma, imaginem que sim, que existia algum efeito. Ora mesmo assim, seria quem se ocupa com os problemas com Incêndios que teria que se adaptar, por mais que custasse. Porque a censura, voltando à citação inicial, não nos traria mais segurança (1966 continua a ser o 2º pior ano em mortes, 25, e 1963, com 4, compara com as deste ano ou outros como 2018… havia lápis azul mas ele não evitou desgraças) e ia sair bem mais cara… porque a liberdade é muito mais valiosa!
Nota editorial: Os pontos de vista expressos pelos autores dos artigos publicados nesta coluna poderão não ser subscritos na íntegra pela totalidade dos membros da Oficina da Liberdade e não refletem necessariamente uma posição da Oficina da Liberdade sobre os temas tratados. Apesar de terem uma maneira comum de ver o Estado, que querem pequeno, e o mundo, que querem livre, os membros da Oficina da Liberdade e os seus autores convidados nem sempre concordam, porém, na melhor forma de lá chegar.
observador