Selecione o idioma

Portuguese

Down Icon

Selecione o país

Portugal

Down Icon

O Espaço como Território de Paz

O Espaço como Território de Paz

“Quando olhamos para a Terra a partir do espaço, não vemos fronteiras, apenas a beleza do nosso planeta.” Chris Hadfield (Astronauta)

Com mais de 15 anos de experiência em ambientes de alta performance — do desporto motorizado à preparação de astronautas para a Axiom Space — aprendi que a excelência nasce da interseção entre inovação, colaboração e diversidade. Treinar um piloto de elite ou um astronauta exige uma abordagem profundamente integrada, onde ciência, tecnologia, cultura e psicologia se fundem em nome da missão.

Enquanto escrevo este artigo, encontro-me em isolamento rigoroso com os astronautas da missão AX-4 da Axiom Space. Este protocolo, praticado desde os tempos dos Space Shuttles, visa não apenas prevenir a introdução de agentes patogénicos na Estação Espacial Internacional (ISS), mas também estabilizar o sistema imunológico — um desafio agravado pela exposição à microgravidade.

O nosso dia começa às 5 da manhã com recolhas de sangue e medições de parâmetros biológicos. Seguem-se treinos físicos individualizados, exercícios de adaptação aos protocolos em microgravidade, e reuniões interagências onde analisamos dados fisiológicos, metabólicos e psicológicos. À tarde, os compromissos com órgãos de comunicação, e simulações que ocupam o calendário. A jornada termina com mais treinos físicos, protocolos de recuperação e novas avaliações biométricas.

A preparação de um astronauta é um processo meticuloso, científico e profundamente humano. Como fisiologista responsável pelas missões da Axiom Space, sou responsável pelo impacto da individualização na preparação da tripulação.

Wearables avançados permitem o acompanhamento em tempo real de dados fisiológicos, possibilitando a prescrição de intervenções individualizadas, otimizadas para as exigências específicas de cada missão. Na missão AX-3, por exemplo, introduzimos sessões de biofeedback (monitorização de actividade cerebral) para o astronauta Marcus Wandt (Suécia), que reduziram em 18% a sua frequência cardíaca média sob stress. Já na AX-4, a simulação de hipóxia (redução do oxigénio disponível) em câmara hipobárica melhorou a adaptação cardiovascular do astronauta Shubhanshu Shukla em cerca de 22%. Estes resultados demonstram como a ciência, aliada à cooperação internacional, não só preserva vidas, mas transforma o modo como enfrentamos desafios extremos.

No espaço, aprendemos que a sobrevivência depende menos da força individual e mais da nossa capacidade de operar como um coletivo global. Nenhum símbolo é mais eloquente desse espírito do que a própria Estação Espacial Internacional: um laboratório orbital, mas também um monumento à colaboração entre nações. Desde 1998, astronautas de mais de 15 países — incluindo Estados Unidos, Rússia, Japão, Canadá e membros da Agência Espacial Europeia — têm partilhado não só tecnologia e conhecimento, mas também refeições, sonhos e valores comuns.

A missão AX-2 marcou a estreia da primeira mulher saudita no espaço, Rayyanah Barnawi — um feito que inspirou milhões no Médio Oriente. A missão AX-3 contou com Michael López-Alegría (de origem espanhola) e Alper Gezeravcı, o primeiro astronauta turco da história. Estas missões não são apenas marcos individuais, territoriais ou culturais; são símbolos de inclusão e avanço científico à escala global.

Ainda mais notável é a resiliência da ISS em tempos de tensão geopolítica. Como recordou o astronauta Scott Kelly: “Lá em cima, não há bandeiras. Apenas a missão e a humanidade.”

Esse espírito encontra respaldo jurídico no Tratado do Espaço Exterior de 1967, que declara o espaço como património comum da humanidade. Proíbe a militarização orbital e promove a partilha de benefícios científicos. Num mundo fragmentado por interesses, o espaço recorda-nos que fronteiras são construções efémeras frente à vastidão do cosmos.

Hoje, com a entrada do setor privado, o espaço tornou-se mais acessível e plural. A missão AX-4, comandada por Peggy Whitson, inclui representantes dos EUA, Índia, Hungria e Polónia, conduzindo experiências científicas em nome de 31 países. Esta diversidade não é simbólica: é a essência de um futuro espacial que será necessariamente global, cooperativo e inclusivo.

Mas o espaço é também um recurso finito. As órbitas úteis, os pontos de Lagrange, os minerais dos asteroides: tudo exigirá modelos de governação colaborativa e sustentável. A ISS já demonstra que esse paradigma é possível. A gestão conjunta dos seus sistemas por diferentes agências é uma metáfora poderosa do que pode (e deve) ser feito relativamente a temas como alterações climáticas, distribuição de recursos e preservação do planeta.

As missões orbitais também oferecem uma nova lente sobre a Terra. Satélites monitorizam o degelo polar, a desflorestação, os fluxos hídricos e fenómenos climáticos extremos. A partir do espaço, observamos — com clareza brutal — os limites ecológicos do nosso planeta. Como disse o reconhecido astrónomo Carl Sagan, ao contemplar a “pálida esfera azul”: “Tudo o que amamos, tudo o que conhecemos, está ali.”

A história da exploração espacial está repleta de gestos de empatia entre nações em conflito. Em 1975, no auge da Guerra Fria, a missão Apollo-Soyuz marcou o primeiro aperto de mãos entre astronautas americanos e soviéticos no espaço. Décadas depois, mesmo após o início da guerra na Ucrânia, astronautas russos e ucranianos continuam a trabalhar lado a lado, partilhando missões e sonhos.

O espaço, onde não há fronteiras visíveis, convida à humildade, à cooperação e à partilha.

A experiência da ISS — e agora das missões da Axiom Space — é um farol para a humanidade. Numa era de incertezas climáticas, desigualdades crescentes e riscos existenciais, é no modelo de colaboração multilateral, transparente e orientado pela ciência que reside a chave para o nosso futuro.

Em diálogo com o Papa Francisco, Paolo Nespoli (astronauta da ESA) afirmou: “Trabalhar juntos, com este espírito colaborativo para ir além, é a forma para nós, como seres humanos, sairmos do mundo e continuarmos esta viagem rumo ao conhecimento.”

Se fomos capazes de construir uma casa comum a 400 km de altitude, então somos, sem dúvida, capazes de transportar estes ensinamentos e construir um planeta mais justo, sustentável e pacífico aqui na Terra.

observador

observador

Notícias semelhantes

Todas as notícias
Animated ArrowAnimated ArrowAnimated Arrow